Certo dia olhando os meus correios eletrônicos o que convencionou chamar e-mail, está um texto: Me dá um biscoito?. Meio atônita com a pergunta fiquei sem resposta pois na hora não possuía nenhum biscoito.....
Comecei a decifrar as palavras, e o que estava lendo naquele momento era um conto.Deparei-me então com o personagem Aílton,que ali sentado a esmo, pensava em que
acontecera em sua vida : A presença de um grande amor.
A figura de Aílton (personagem principal) jovem de uma insólita personalidade , aos vinte anos devaneia a busca do amor idealizado. “Chegar aos vinte anos e nunca ter tido contato com uma mulher”..... Aílton define um tipo de “personagem-ego”, designado por Clarice Lispector em suas obras de análise interior, e uma peculiar semelhança com Dorian Gray, personagem do escritor irlandês Oscar Wilde , no que concerne a um egocêntrico desejo de concretizar um amor em ditames pessoais.”mas não beijaria qualquer uma. Tinha de ser o seu grande amor” . O amor, já dizia alguns poetas, vem sem avisar....e foi assim que Aílton encontrou o seu, ela se chamava Midiam,dois anos mais novas, e numa tarde a encontrara na faculdade onde ambos estudavam. Ela chegara como um surto e o dominara pela ousadia de pedir um simples biscoito que Aílton comia naquele momento.O beijo roubado de Midiam deturpou todo um projeto de amor ideal que Aílton planejara pra si. O inefável sentimento tão logo inebriava o rapaz, a partir daquele momento tudo se resumia em “Amar e ser feliz”. Desde então se amavam todos os dias nos lugares mais inusitados. Como ser mais feliz? Perguntava para si mesmo.”...Tão quão célebre foi Nelson Rodrigues nos seus contos e desfechos, revelando sempre por trás de uma historia envolvente um mistério, Me dá um biscoito revelou certa semelhança, quando o inesperado acontecera na vida de Aílton. Era algo que destruiria toda uma presença doce e amável de Midiam nas tardes de encontro .A morte assim como o amor que adentrara na vida de Aílton, veio sem avisar e levou Midiam para longe deixando para o rapaz, apenas um sentimento nefasto que o dominava naquele momento tendo ele que se contentar com uma onipresença vazia: A solidão.” Aílton ainda estava em sono profundo quando um salto acordou ao escutar o telefone que gritava desvairadamente, correu para a sala com o intuito de atendê-lo. Do outro lado da linha ele escutou gritos lancinantes. Gritos que comoveriam até frias rochas marinhas. Um clamor de dor insuportável. Era a sua Midiam . Enquanto ela gritava pedia ajuda para o seu amado. Aílton me ajuda eu não quero morrer, ai! Não me deixa, não me deixa!” O desfecho do autor fez suscitar um mistério sobre o que tinha acontecido com Aílton diante das cartas póstumas de Midiam ....”Morreu de aneurisma cerebral”..”jamais Mi ficava doente”...surge então a dúvida ao leitor: Foi o destino um tanto trágico,ou o destino que Midiam mesmo previu por amá-lo antes ?.O final traz um arquétipo aos moldes de “Nelsonianos” (eis um neologismo) e dá oportunidade não só ao leitor como também ao personagem Aílton, a continuação da história ou seja , o desfecho não se resume somente ao trágico, a “aparição” de Midiam , dá sustentáculo ao leitor para inserir-se na história novamente. ...”Atordoado e desesperado ele sentiu de novo aquele perfume que um dia mudou a sua vida ....” .Me dá um biscoito? pode parecer uma pergunta que não caberia a um conto, mas Adriano Cabral, a transformara no inusitado. Não é preciso responder a esta pergunta basta ler.