de Peter Wollen
traduzido do alemão por José Pedro Antunes
(continuação)
Lefèbvre começou sua carreira intelectual nos anos vinte, em estreita ligação com André Breton e os surrealistas. Membro do grupo “Philosophies”, em 1925 foi co-assinante de um manifesto contra a Guerra do Marrocos, tendo trabalhado juntamente com os surrealistas pelo menos até sua entrada no Partido Comunista, em 1928.
A posteriori – a despeito de querelas pessoais e políticas –, se vê com clareza o quanto Lefèbvre deve a Breton: não apenas a idéia da transformação do cotidiano, um conceito surrealista fundamental, mas até mesmo a proximidade com Hegel e Marx. “Ele me mostrou um livro sobre a sua mesa, a 'Lógica de Hegel', numa não de todo ruim, feita por Vera, e, de algum modo depreciativamente, disse algo como: ‘Mas nem isso você leu?’ Alguns dias depois comecei a ler Hegel, que me conduziu a Marx.”
Breton nunca deixou dúvida sobre sua ligação com Hegel: “O fato é que eu, desde a primeira vez que me deparei com Hegel (...), eu mergulhei em seus pensamentos; e, para mim, seu método faz todos os outros parecerem mendicância. Onde não opera a dialética de Hegel, para mim não existe um pensamento, uma esperança de verdade.”
Historiadores do marxismo ocidental tentaram desqualificar Breton, ao acusá-lo de “perversão” ou de falta de “seriedade”. Talvez porque, como Debord, mas diferentemente de todos os outros marxistas ocidentais, ele nunca foi professor numa universidade. Sem dúvida, suas interpretações de Hegel ou mesmo de Freud ou Marx, do amor ou da arte (para nomear seus temas mais importantes) muitas vezes eram incomuns. Mas permanece um fato: é inpensável, sem ele, a cultura francesa contemporânea. Desenvolveu não só uma teoria e práxis da arte, que foi amplamente influente (talvez mais do que qualquer outra, em nosso tempo), mas descobriu, para a França, também Freud e Hegel; primeiramente, para o seu círculo mais próximo; depois, para o mundo dos especialistas (Lefèbvre, Jaques Lacan, George Bataille, Claude Levi-Strauss); e, finalmente, para a cultura geral.
Também no que tange à política, a partir de meados dos anos vinte, ele era consequentemente dono de vontade própria; por questões de princípio, entrou para o Partido Comunista e tornou a deixá-lo; ofereceu apoio a Trotzki, em seus trágicos anos derradeiros; e conferiu brilho ao perseguido e camaleônico movimento trotzkista. Os anos vinte foram um período de vanguardismo dinâmico, em muitas relações uma confluência de energias que haviam sido liberadas pela revolução russa. Os surrealistas se identificavam com a revolução e, em suas próprias organizações, imitavam muitas das características do leninismo. Ao publicar por exemplo um órgão central, bem como manifestos e panfletos de agitação; ao vigiar a pureza da linha; e ao excluir os dissidentes – características que, obviamente, também os situacionistas preservaram.