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Ensaios-->Entre marxismo e surrealismo [2] (uma tradução) -- 15/01/2001 - 18:21 (José Pedro Antunes) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
(continuação)


Debord localiza o início de sua vida “independente” em 1950, o ano em que irrompeu na cena artística e cultural da Rive Gauche parisiense – seus bares, cinemas, livrarias. Seu pensamento foi influenciado por Sartre (o conceito de situação) e Lukács (a dialética sujeito-objeto e a teoria da objetificação). A princípio, Debord via no “Cotidiano” de Lefèbvre uma série de situações sartreanas. Existência - assim argumentara Jean-Paul Sartre - é sempre existência dentro de ambientes, de uma dada situação; o sujeito vive nela e a supera, respectivamente, de acordo com a escolha do seu ser nesta dada situação. A diretiva de Lefèbvre, de transformar o cotidiano, Debord a entendia de tal modo, que cumpria não aceitá-la como dada. O que importava era criar, por meio de atividades artísticas e práticas, situações. Tentava, pelo menos em enclaves do cotidiano, estabelecer uma certa ordem, ordem que haveria de permitir uma atividade inteiramente livre, um jogo, conscientemente instalado nos contextos do cotidiano, não confinado à esfera do tempo livre. Debord, para além da situação, ampliou o raio à cidade e, para além da cidade, à sociedade. O sujeito da transformação foi ampliado do grupo (dos letristas, bem como dos situacionistas, nos objetivos comuns) para a massa do proletariado, que deveria, ela própria, criar a totalidade das situações sociais em que vivia. Exatamente neste ponto, Debord precisaria pensar para além da esfera das ações possíveis, de si mesmo e de seus amigos imediatos, e confrontar-se com a teoria da revolução. Isto tornou a radicalizá-lo, apontando-lhe a necessidade de reinterpretar o marxismo ocidental sobre um novo fundamento. Em lugar de períodos cambiantes e breves, e de lugares limitados, o espaço e o tempo da vida social teriam de ser transformados como um todo, e a existência social, teoricamente compreendida. Esta seria, consequentemente, a teoria da sociedade atual (e da futura) e a forma atual da alienação, idéia-chave de Lefèbvre.

Quando Lukács escreveu “História e Consciência de Classes”, o fato significava uma guinada, do anticapitalismo romântico em direção ao marxismo, possibilitada, por um lado, pela atribuição à classe trabalhadora do papel de sujeito da História; em segundo lugar, pela vinculação da teoria marxiana do fetichismo da mercadoria ao conceito hegeliano da objetificação (Vergegenständlichung) – resultando numa teoria da objetificação, sendo esta a forma da alienação imposta à subjetividade humana capitalismo contemporâneo.
Debord, que leu Lukács com várias décadas de atraso, podia relacionar a teoria lukácsiana da coisificação (Verdinglichung) do trabalho na mercadoria, à sociedade de consumo, no longo período de florescimento do capitalismo keynesiano do após-guerra. Assim como Lukács escreveu durante o primeiro período do fordismo, que era impregnado pela estandardização e pela produção de massas, assim Debord, no segundo, o período do mercado livre e do consumo de massas. A sociedade de consumo confrontava os produtores com seus produtos não apenas na forma da alienação quantitativa, pelas condições de troca, mas também na forma visual, qualitativamente, em reclames, na imprensa e na televisão – partes constitutivas da forma comum do “mundo da imagem” (spectacle). Para, 10 anos depois, ir de “Reportagem sobre a construção” (1957) à “Sociedade do Espetáculo”, Debord teve de voltar-se para o passado – para o espólio (Vermächtnis) do marxismo clássico, descreditado pelo terrível experimento do stalinismo, mas, na verdade, só ele como parâmetro para o conceito da revolução proletária (....) O comunismo-dos-conselhos-de-operários (Räte-Komunismus), com a palavra de ordem “Todo poder aos conselhos”, teve um breve tempo de florescimento no período das insurreições revolucionárias, depois de 1917, e marcou, naquele período, a obra de Lukács, Korsch e Gramsci. Lukács e Gramsci buscavam orientar-se retroativamente pela linha ortodoxa e destacavam o Partido como organizador centralizador de uma classe difusa (o “sujeito” hegeliano, assim como “O Príncipe” de Macchiavel), enquanto Korsch permanecia fiel aos princípios dos conselhos e enfatizava a auto-organização dos operários em seus conselhos, autonomamente formados. Este debate sobre Partido e Conselhos, a necessária mediação entre Estado e Classe, neste período alcançou o ápice, tendo-se tornado porém vísivel, em seus contornos, já antes da guerra.

As discussões entre Hermann Gorter e Anton Pannekoek (da Holanda), Rosa Luxemburg e Karl Kautsky, no Partido alemão; no russo, entre Alexander Bogdanow e Lenin – desviaram os debates do pós-guerra para longe dos conselhos operários. Nos tempos imediatamente pós-revolucionários, Lenin polemizava, principalmente, tanto contra os comunistas holandeses que defendiam os conselhos, como contra Bogdanow. Pessoas como Lukács e Korsch, que não haviam tomado parte no movimento anterior à guerra, estavam conscientes de que apenas repercutiam o eco das titânicas lutas de seus predecessores. O pano de fundo imediato desta disputa deve ser visto na formação dos conselhos operários na revolução russa de 1905, totalmente imprevisível, e na afirmação do sindicalismo como concorrente do marxismo na Europa ocidental (e, com chegada ao poder da “International Workers of the World”/IWW, também nos Estados Unidos). É, além disso, significativo, que o desenvolvimento holandês assim como o russo estivessem ligados à heterodoxia filosófica (e igualmente política) – Pannekoek e Gorter defendiam a religião monística da ciência de Joseph Dietzgen, e Bogdanow, o positivismo monístico de Ernst Mach. Tais desvios filosóficos correspondiam ao desejo de encontrar, na política, uma tarefa para a subjetividade coletiva, que, de longe, ultrapassava as fronteiras estabelecidas pelo socialismo científico, com o objetivo de aproximá-la da mística sindicalista da classe operária como um coletivo e a ênfase, em decorrência, no ativismo (em sua forma extrema, em Georges Sorel).

Depois da revolução dos bolcheviques, os comunistas de esquerda com as tendências filosóficas do cientismo de Dietzgen e Mach (sua ênfase no monismo e no fator subjetivo na ciência) e, com a garantia das “atenções” que Marx lhe dedicava, de Hegel se tornaram adeptos “ferrenhos”.

Lukács e Korsch não se restringiram a apenas tratar Hegel como precursor de Marx, tendo estabelecido, no próprio marxismo, conceitos e métodos hegelianos: inclusive os da totalidade e do sujeito. Deste modo, o comunismo-dos-conselhos-de-operários surgiu como reedição marxista das idéias sindicalistas e o marxismo ocidental, como uma retomada filosófica do socialismo científico. A ligação entre ambos foi assegurada pela transformação de formas românticas, vitalistas e libertárias de ativismo em categorias do subjetivismo e da práxis. Tais categorias incluíam agora a auto-consciência do proletariado como classe. No mesmo passo, e radicalmente, Lukács e Korsch romperam com o marxismo clássico e sofreram uma derrota política muito mais séria do que as de seus predecessores. Assim como o marxismo ocidental, também na França foi revivificado o comunismo-dos-conselhos, depois da 2ª Guerra Mundial, pelo grupo “Socialisme ou Barbarie”. (.....) Para Debord, como para o grupo, o fato de ser o Partido Comunista burocrático na forma e na ideologia, antes um poder da ordem do que uma força revolucionária, significava: não fundar um novo partido, mas rejeitar a própria idéia de partido. Em vez de um Partido, que estaria necessariamente separado das massas, a revolução deveria ser feita pelos próprios operários, organizados em conselhos auto-administrados.

Com isso, distancia-se, do modelo leninista, o próprio conceito de revolução. Em vez de aspirar ao poder do Estado, imediatamente deveriam os Conselhos passar à eliminação do Estado. A revolução significava a realização imediata do direito de liberdade, a eliminação de todas as formas de coisificação (Verdinglichung) e de alienação, sua substituição por formas de subjetividade não amordaçadas. Assim tornou a alçar-se o fantasma sindicalista, a procurar a Social-Democracia, fortificado pelas armas filosóficas do marxismo ocidental. Em conexão com o temperamento de Debord, só agora, verdadeiramente, as coisas iam ficando perigosas. Lukács sempre assumira a existência de mediações dentro da totalidade e de formas de unidade dentro da diferença. A visão maximalista de Debord buscava, ao contrário, aniquilar toda e qualquer separação, para alcançar a unidade de sujeito e objeto, de práxis e teoria, de base e superestrutura, de política e administração, numa única totalidade não-mediada.

O impulso por trás deste maximalismo tinha origem na idéia da transformação da vida cotidiana. Esta, por sua vez, foi desenvolvida a partir da idéia lefèbvreana do homem total (ou seja, não-alienado). Como primeiro marxista francês, Lefèbvre revivificou as idéias humanistas do jovem Marx; e, ainda que jamais tenha colocado em questão o papel proeminente da economia na teoria de Marx, argumentava que o marxismo havia sido reduzido, erroneamente, às esferas política e econômica, enquanto sua análise na verdade deveria ser ampliada a todo aspecto da vida cotidiana em que houvesse alienação – na vida privada e no tempo livre, assim como no trabalho. O marxismo precisava de uma sociologia atual relacionada à cultura, que não deveria recuar aterrorizada ante o trivial. Em última conseqüência, o marxismo significava não apenas a transformação das estruturas econômicas e políticas, mas “a transformação da vida até o âmago de suas particularidades, até suas minúcias cotidianas”. Economia e política seriam apenas um meio para a realização de uma humanidade total, não-alienada.

(continua)
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