Amanhã morrerei e hoje quero aliviar minha alma. Por essa razão vou
lhes contar tudo. Na verdade, tudo não passou de uma série de simples
acontecimentos domésticos. Mas, pelas suas conseqüências, esses
acontecimentos me aterrorizaram, me torturaram e me aniquilaram.
Bom começo prum texto, hum? O parágrafo acima foi escrito por Edgar
Allan Poe. Um cara que, definitivamente, vai além do rótulo
de 'mestre do terror', até porque Poe nunca escreveu o terror pelo
terror. Seus livros são obras-primas completas, há conflitos
psicológicos, filosóficos, debates religiosos, crítica sempre.
Agora senta, que lá vem a história. Allan Poe nasceu lá em 1809, em
Boston (EUA), e logo ficou órfão, aos dois anos de idade. Desde
então, a vida do cara foi realmente parecida com sua produção
literária: foi expulso dos colégios onde estudou por indisciplina,
entregou-se à boemia e casou-se cedo com uma mulher por quem era
profundamente apaixonado. E que morre logo depois do casamento. Final
da história: o cara acabou literalmente na sarjeta, morto aos 48 anos
de idade. Completamente esquecido e sozinho. A clássica saga, aquela.
Alguns o consideram o criador do gênero literatura policial, mas,
vocês sabem, essa história de inventor é sempre complicada. Eu
prefiro considerá-lo como um bom escritor, me acompanhou muitas
noites à cama. Não preciso nem justificar o motivo desse texto, né?
Inverno, férias, muito Neil Young e algum vinho...Óbvio que Poe não
podia ficar de fora.
Uma boa coletânea (traz 18 contos do autor) pra se iniciar na obra de
Allan Poe é 'Histórias extraordinárias de Allan Poe', traduzido pela
Clarice Lispector, com prefácio de Baudelaire. Contém, entre outros,
contos como 'O gato preto' (de onde tirei o primeiro parágrafo deste
texto), 'Ligéia' e o famoso 'Os crimes da rua Morgue' (esse, li na
quinta série primária, num daqueles livrinhos da Scipione, lembram?).
Em todo caso, não deixem de ler nada associado à esse escritor.
Afinal, tá lá, no prefácio: 'Nenhum homem jamais contou com mais
magia as exceções da vida humana e da natureza - o absurdo se
instalando na inteligência e governando-a com uma lógica espantosa.
A alucinação, a histeria, o homem descontrolado a ponto de rir quando
sofre. Tudo, contado de maneira vertiginosa, obriga o leitor a seguir
o autor em suas conclusões'.