Chapultepec: a defesa da “garantia das garantias”
(texto vencedor do Concurso de Ensaios sobre a Declaração de Chapultepec edição 1999, promovido pela Sociedade Interamericana de Imprensa – SIP)
Carlos Alves Müller
A importância da Declaração de Chapultepec para o Brasil só pode ser entendida numa perspectiva histórica. Em menos de 180 anos, o País teve oito Constituições. Todas reconheceram a Liberdade de Imprensa mas, onde “a Constituição é regra aplicada, provida de razoável estabilidade, faz sentido dizer-se que tudo o que está na Carta Fundamental é constitucional. A assertiva, contudo, não tem o mesmo significado no Brasil”, adverte o professor de Direito Walter Ceneviva. Não há exagero no comentário. Enquanto a Constituição dos EUA recebeu 26 emendas em dois séculos, a brasileira atual foi emendada 27 vezes na primeira década de vigência.
Uma anedota diz que as livrarias brasileiras vendem constituições nas seções de periódicos. A mortandade constitucional, entretanto, não é o único mal a afligir a ordem jurídica nacional. O regime militar instaurado em 1964 adotou uma Carta em 1967 e a reformou tão profundamente em 1969 que a maioria dos constitucionalistas consideram o texto reformado uma nova Carta. Ambas asseguravam a liberdade de imprensa, mas acrescentavam, cinicamente, a ressalva de que não seriam “toleradas a propaganda de guerra, de subversão da ordem ou de preconceitos de religião, de raça ou de classe, e as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes”. O arbítrio da ditadura fazia com que virtualmente qualquer texto jornalístico pudesse ser enquadrado nas ressalvas, repetidas e agravadas pelas Leis de Imprensa e de Segurança Nacional da época.
Multiplae leges, pessima respublica, dizia o pensador Alceu Amoroso Lima, em 1970, ao criticar a censura e a “incontinência legislativa” do regime militar. Ao longo de 180 anos, o Brasil teve nove “Leis de Imprensa”, invariavelmente apresentadas como regulamentações do exercício da liberdade, mas destinadas a cerceá-la. A atual Constituição estabelece que “nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística”. Entretanto, projetos de “Lei de Imprensa Democrática” tramitam no Congresso Nacional, desde 1991. De todos emergem restrições à liberdade. Ignora-se sistematicamente que no período de mais longa estabilidade institucional - o Segundo Império - o Brasil enfrentou sua mais penosa guerra externa e revoltas internas prolongadas. Mesmo assim, teve sua Constituição mais duradoura e uma imprensa livre, sem que, por 60 anos, houvesse qualquer Lei de Imprensa.
Se constituições e leis não protegeram a liberdade, qual o sentido de uma Declaração como a de Chapultepec, que não tem força legal, nem prevê penas aos que a violem? Querê-la observada seria esperar a concretização de uma utopia. No entanto, é justamente sobre esses aspectos - a dimensão utópica e a natureza moral de seus preceitos - que se fundam seu vigor e sua universalidade.
A autoridade que ampara Chaputepec é a mesma que respalda a Declaração Universal dos Direitos Humanos. O que ambas têm de revolucionário e essencial é o compromisso voluntário e público em favor dos direitos de todos, o que, no caso de Chapultepec, implica no imperativo da liberdade de imprensa como “garantia das garantias”, como afirmava Labouleye, citado pelo jurista Cretella Júnior.