O nome dele é Severino da Silva. Natural do Nordeste do Brasil começou a trabalhar aos cinco anos de idade ajudando o pai na carvoaria, uma tarefa difícil, despertava à s 4:00 da manhã, muitas vezes faminto há dias, tomava um ónibus precário, abarrotado de "gabirus famintos" rumo à s fornalhas. Ao meio dia não dava para identificar quem era o carvão e quem era Severino, tudo estava preto.
O menino gostava de separar algumas peças de carvão bruto, que logo transformava em formas estranhas com a ajuda de uma pedra grande, ele esculpia o que ninguém entendia e no final do dia levava para a casa. Seu pai não gostava e rudemente indagava:
- Não perca tempo com estas bobagens seu moleque, vem trabalhar.
A terra seca e o ar parado faziam com que o pó ficasse vagando por longos minutos, criando um sujo mormaço, no solo árido a temperatura batia os 50 graus. Meses e meses sem que uma gota derramasse daquele céu azul da cor do mar. Água somente a 5 Km dali em um riozinho turvo, quase seco, uma longa caminhada, mas eles dependiam deste para beber, cozinhar e tomar o banho. A prefeitura da cidadezinha onde morava, raramente financiava a vinda de um caminhão pipa aos moradores, mas só acontecia quando havia um comum acordo entre Governo do Estado, Governo Federal, Senadores e Vereadores.
Esta foi a rotina de Severino até os 13, depois disso, sua vida começou a mudar, o pequeno Nordestino já com seis irmãos decidiu largar o trabalho duro para aprender a ler, a mãe incentivou, já o pai relutou para que o filho mais velho tirasse tal idéia da cabeça, como se não bastasse, o menino jurou que um dia teria muito dinheiro, e levaria toda a família para um lugar onde havia água em abundància e a seca fosse vista apenas pela televisão, Severino cismou em vir para São Paulo.
Numa manhã de Janeiro, o menino sai de casa à s 4:30 da manhã, o destino era a cidade de São Paulo. Após andar 19 Km durante três dias, o pequeno nordestino chega a uma das "BR´s do Brasil" ele sentia cansaço, fome e sede, mas consegui esticar o braço e pedir carona. Ninguém o atendia
Um caminhão carregado de argila e ceràmica fazia o caminho contrário, vinha do Sul e tinha o Nordeste como destino, o motorista parou no acostamento do outro lado da via e perguntou:
- Onde vais guri?
O garoto responde:
- Pra Sun Paulo
Sr. Fernando, o motorista, chama o garoto diz se ele o ajudaria a descarregar a carga a poucos km dali, pelo serviço daria R$ 5,00. Severino exige um pouco de argila e ceràmica. Negócio fechado.
Na viagem de volta, o motorista dá de comer ao garoto faminto. Severino da Silva pega as argilas e começa a fazer umas esculturas estranhas, Sr. Fernando fica impressionado com a rapidez, o menino levava jeito para estas coisas, suas mão faziam nascer formas que caberiam numa bela amostra de arte.
Ao chegar em São Paulo, o menino começou a vender suas obras nas ruas da cidade, ficou conhecido, suas peças impressionavam o público da Praça da Sé. O garoto usava um forno velho de uma pastelaria de chineses para dar o toque final em suas esculturas. Aos 15 anos mudou-se para uma casa alugada, na qual mais tarde virou um ateliê. Severino ainda mandava um dinheirinho para ajudar a mãe o pai e os seis irmãos, aprendeu a ler e escrever, nas cartas enviadas ao Nordeste o garoto sempre escrevia:
- Mãe, Pai aqui eu escuto o ruído dos trovões quase todo dia, as chuvas são fortes, a cidade é maluca e o pessoal adora o meu trabalho.
Nos fins de semana, Severino ia ao Masp, teatro e exposições, adorava cinema e com 18 anos passou a escrever sobre cultura num jornal conhecido da cidade. Com 20 anos estava rico e suas obras já tinham sido vistas nos quatro cantos do mundo, ganhou muitos prêmios internacionais, virou professor universitário.
Sendo assim, a promessa foi cumprida, mãe, pai e irmãos chegam a São Paulo, passaram a morar em uma bela casa num bairro nobre da cidade, com empregados, piscina e mordomias, mas ninguém deixou o jeitinho simples. Eles ficaram bestificados com a quantidade de água que estava na piscina, uma das irmãs afirma:
- É cristalina
Severino da Silva era um homem feliz, casado, pai de dois belos filhos, carvão só nas esculturas de seu acervo e nos churrascos dominicais. Certo dia, a família toda prometeu que na primeira chuva todos iriam para o quintal se banhar daquela benção.
O artista nordestino gostava de ir ao banco para tratar de suas aplicações, lá tinha muita amizade com os funcionários, enfim com todos que frequentavam o local, a simplicidade deste homem pode ter marcado seu destino, em frações de segundo dentro do banco, Severino é vítima de um sequestro, um homem bem vestido apontou uma arma de grosso calibre em sua costela e disse:
- Quietinho "baiano rico"
Ao sair do local, os sequestradores colocam uma venda em seus olhos e depois o oferecem uma bebida esquisita, o ex-bóia fria acorda depois de umas horas num local sujo, escuro e fétido, sua infància vem à mente, o homem gabiru voltara a ser como era, sem perfume, sem glamour, com fome, com sede, maltratado e maltrapilho.
O resgate não vinha, os sequestradores negociavam, eram violentos e xingavam Severino de "baiano rico" como se isto não pudesse ser real.
Trinta e quatro dias de cativeiro, por meio de muitas negociações o dinheiro é dado aos maus caráter. Severino não é mais o mesmo, por um minuto se arrependera em ter deixado sua terra natal, sua vida começa a passar como um filme em sua mente, ele estava deitado no cativeiro, começou a sentir algo estranho, foi quando se deu conta que os sequestradores tinham deixado nove tiros em seu corpo antes de sair, não resistiu, faleceu no local.
O que sobrou daquele homem cultural foram suas obras que passavam a sensibilidade de uma pessoa que enxergava além do infinito. - Ele deve "ta fazendo escultura no céu", afirma a mãe em seu enterro.
Severino morreu em véspera de eleições presidenciais, alguém ficou sem o voto dele, é uma pena, seu candidato preferido havia prometido livrar o Nordeste da seca e São Paulo da violência.