Eram tercetos, que transformei em crónica. Assim,
o texto ficou muito mais elegante e escrachado!
(Maria José Limeira).
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TORTURADOS & TORTURADORES
Maria José Limeira
Quando veio a anistia, inverteu-se a posição.
Torturados passaram a torturar torturadores.
Não tem coisa mais imoral do que a fome.
Quando lábios de homem sugam meus seios, me
consomem.
Hipocrisia é fazer à noite o que não se faz
durante o dia.
Nos conselhos de segurança, as decisões são
esdrúxulas.
Em toda censura, há um general, de calça na mão,
montado no cavalo.
Imagino a triste cena: senhores censores
censurando uns aos outros, comendo biscoitos.
O beijo que me jogas sobre a roupa desliza em
cascata no meu ventre.
Quando você não quer gozar comigo, não tem
problema. Gozo sem você.
Êxtases intensos e prolongados são saudade.
A cada toque do seu desejo em mim, eu grito.
Você me mandou embora. Fiquei ao relento. E sinto
muito frio.
Corpo que toca em mim deixa-me bem molhadinha.
Quando gato quer amar, faz igualzinho a homem:
mostra os dentes.
Bonita teoria. Falsa premissa não dura nem meia
hora.
É proibido gozar? É proibido pensar? É proibido
amar?
Autoritarismo: quando argumento não basta, o
chicote convence.
Ao pior inimigo, desejo que ame sem ser amado.
Mãos que apalpam lêem no meu corpo o difícil
objeto-braille.
Na viagem que iniciei em busca de mim mesma, o
final é imprevisível.
As pessoas estão sempre esquecendo que o próximo,
citado por Jesus Cristo, é aquele que está junto
de nós pedindo socorro.
Para garantir meu direito de ir-e-vir, requeri
habeas-corpus.
Se o filósofo Sócrates voltasse à antiga atuação,
seria banido de novo.
Estranha democracia: na mesa de negociação, só
você manda as ordens.
Donos do mundo! Onde devo esconder meus versos?
(Do livro "Cronicas do amanhecer").
Maria José Limeira é escritora e doce jornalista
democrática de João Pessoa-PB.