Usina de Letras
Usina de Letras
38 usuários online

Autor Titulo Nos textos

 


Artigos ( 63454 )
Cartas ( 21356)
Contos (13307)
Cordel (10364)
Crônicas (22586)
Discursos (3250)
Ensaios - (10765)
Erótico (13601)
Frases (51962)
Humor (20211)
Infantil (5642)
Infanto Juvenil (4996)
Letras de Música (5465)
Peça de Teatro (1387)
Poesias (141388)
Redação (3377)
Roteiro de Filme ou Novela (1065)
Teses / Monologos (2444)
Textos Jurídicos (1975)
Textos Religiosos/Sermões (6387)

 

LEGENDAS
( * )- Texto com Registro de Direito Autoral )
( ! )- Texto com Comentários

 

Nossa Proposta
Nota Legal
Fale Conosco

 



Aguarde carregando ...
Cronicas-->Ana Carla e a Crónica -- 10/08/2025 - 21:53 (Brazílio) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

 

 

de 7

 

 

 

‚F22v — 2E2xHF2PV2E2†F2IGP2E2—GF2PHHTIHSResumoA linguagem e o teor singulares da crônica tradu-zem o sentimento contemporâneo da saga em busca de lu-cidez e segurança. Do império ao modernismo, a crônicaevolui e se assume híbrida. A forma curta, o tom fragmen-tado e ligeiro encaixam-se no frenesi pós-moderno e o gê-nero se firma como prosa tipicamente brasileira. Em entre-vista, Affonso Romano de Sant’Anna, Roberto Braga eAirton Monte acirram debate sobre o gênero e falam da-quele que é considerado o maior dos cronistas modernos :Rubem Braga.Palavras-chave: Rubem Braga, crônica, hibridismo.AbstractThe singular language and text of the chronicletranslate the contemporary feeling of the saga lookingforwards to lucidity and safety. From the empire to themodernism, the chronicle develops and it assumes hybrid.The short form, the fragmented and fast tone insert in theafter-modern frenzy and the genre settle as a typical brazilianprose. In interview, Affonso Romano de Sant’Anna, RobertoBraga and Airton Monte incite debate about the genre andtalk about the one who is considered the greater modernchronicle: Rubem Braga.Keywords: Rubem Braga, chronicle, hybridism.No processo de busca de identidade, a crônica literá-ria tem como companhia toda uma nação e os princípios dacontemporaneidade que marcam os rumos imprecisos da li-teratura nos séculos XX e XXI. A “crise dos fundamentosda vida humana”, como a denomina Gilberto de MelloKujawski (1991, p.34), tem sua raiz na quebra dos padrõesda vida cotidiana. As aflições do homem de nosso tempo e acrônica têm, portanto, a mesma raiz: a cotidianeidade.A linguagem e o teor singulares do gênero tradu-zem o sentimento contemporâneo da saga em busca de lu-cidez e segurança. Do seu surgimento – como registro his-tórico do império – ao modernismo, a crônica evolui e seassume híbrida. A forma curta, o tom fragmentado e ligei-ro encaixam-se no frenesi pós-moderno. Talvez por isso,tenha conseguido se firmar, em nossos dias, como prosatipicamente brasileira.Na virada do século XIX para o século XX, a crôni-ca tomou o bonde que mudava o ritmo e os costumes dacidade – numa nítida alegoria ao progresso – e registrousentimentos coletivos, tradições, anseios e sonhos de gera-ções divididas, entre a esperança e a miséria de uma naçãoiletrada. O cenário carioca concentra as atenções literárias eculturais das elites nacionais que vivem soberbamente asbenesses de capital federal. Os jornais cariocas marcam osregistros de fundação da crônica brasileira, fazendo com quealguns estudiosos da literatura considerem o gênero filholegítimo do Rio de Janeiro.O estilo urbano, a molecagem carioca, predomi-navam nos grandes jornais brasileiros. Mas é importanteobservar que, em menor escala, se multiplicavam pelopaís cronistas dos mais variados tons, o que põe por terraa teoria da formação de um gênero em estreitos limitesgeográficos (SÁ, 1985, p.69). É fato que os grandes es-critores, nascidos ou não no Rio, assumem a cidade comosua e lançam um farol sobre a história da crônica no país.São exemplos Rubem Braga e Drummond, Machado deAssis, João do Rio, Lima Barreto, Olavo Bilac, CarlosHeitor Cony, Vinícius de Moraes, Paulo Mendes Campose tantos outros.Extrapolando os limites da região Sudeste, a voz dacrônica, tímida figurante de fundo de palco, aos poucos, tomade assalto o espetáculo, encanta o público e garante um lu-gar na cena literária brasileira. Do “rés-do-chão”, ou seja,do canto inferior da página dos jornais que lhe era reserva-g‚xsge2i2gy„shsexyX2ƒi…ƒ2vÂ…qe‚iƒ2xegyx„iw€y‚exishehiAna Karla Dubiela** Jornalista, especialista em Estudos Literários e Culturais (UFC), mestranda em Literatura Brasileira (UFC). Bolsista Capes.

 

‚F22v — 2E2xHF2PV2E2†F2IGP2E2—GF2PHHTIHTdo no século XIX, alça vôo, independente da dificuldadedos teóricos em classificá-la. Aquela forma coloquial de tra-duzir o cotidiano no tempo dos folhetins, misturada entrereceitas de bolo, dicas de beleza e capítulos de romancesseriados, não era vista como literatura. Era algo que se mol-dava como barro, entre a poesia, o conto e o ensaio, entre ojornalismo e literatura. Nasceu com hibridismo crônico,desenvolveu-se, assumiu a ambigüidade e o status de gêne-ro literário:As dificuldades em classificar a crônica resultam,como acentuou Eduardo Portela, do fato de que“tem a caracterizá-la não a ordem ou a coerência,mas exatamente a ambigüidade”, que “não raro aconduz ao conto, ao ensaio por vezes, efreqüentemente ao poema em prosa”.(...) De qual-quer modo, o que se deve ressaltar é a importânciaque o gênero vem assumindo em nossa literatura.(COUTINHO, 1990, p.306).Alçada à condição de gênero, o debate se volta paraa dimensão da crônica no universo literário. Um dos maio-res estudiosos da literatura contemporânea, AntonioCandido, é incisivo:A crônica não é um “gênero maior”. (...) Nem se pen-saria atribuir um Prêmio Nobel a um cronista, pormelhor que fosse. Portanto, parece mesmo que a crô-nica é um gênero menor. “Graças a Deus” – seria ocaso de dizer, porque sendo assim ela fica perto denós. (CANDIDO, 1992, p.13).José Paulo Paes concorda e a define como “gêneromenor, cujas fronteiras imprecisas confinam com as do en-saio de idéias, (...) se caracteriza pela expressão limitada”(PAES, 1992, p.130).A instantaneidade da crônica, que faz João do Riodenominá-la de “gênero gêmeo à cinematografia” (Cf.LIMA, 1992, p.45-46) a conquista da posteridade atravésdos livros, sua forma flutuante e a aceitação como gêneroliterário são elementos que acirram o debate. AfrânioCoutinho, Jorge de Sá e Affonso Romano de Sant’Anna di-zem que não há gênero menor em literatura. Em entrevistaque nos foi concedida durante a realização da VI BienalInternacional do Livro em Fortaleza, Sant’Anna enfatizou oque chama de “equívoco”:Enquanto gênero literário, [a crônica] nunca foi es-tudada formalmente. Eu sempre repito que a Univer-sidade tem que descobrir a crônica ainda. Há umasérie de equívocos, inclusive o próprio AntonioCandido tem um equívoco sobre isso, quando ele dizque a crônica é um gênero menor. Não é um gêneromenor. (...) Há pessoas menores diante de certos gê-neros. Quando tratado devidamente, o gênero torna-se maior.(Anexo 01).No primeiro livro totalmente dedicado à crônica noBrasil, lê-se o conceito de “gênero narrativo, equivocada-mente considerado menor pela crítica literária” (SÁ, 1985).À discussão Afrânio Coutinho acrescenta o tom brasileirodo gênero, como fator de valorização da crônica:Se algo existe em nossa literatura, que pode ser to-mado como exemplo frisante da nossa diferenciaçãoliterária e lingüística, é a crônica. Dificilmente pode-rá apontar-se coisa parecida, mesmo na literaturaportuguesa, a uma crônica de Rubem Braga. E esteautor ainda apresenta esta singularidade: é um es-critor que entra para a história literária exclusiva-mente como cronista. Como fato muito significativo éa posição da crônica, sua importância, o grau de per-feição a que atingiu, depois de longa evolução. (...) Ofato de ser divulgada em jornal não implica emdesvalia literária do gênero. (COUTINHO, 1990,p.304-305).Para fundamentar a discussão em torno da crônica,procuramos aprofundar o assunto através da técnicajornalística da entrevista. Além de Affonso Romano, teóri-co da crônica e professor de Literatura, dois outros nomeslançam luzes sobre o tema: o filho único de Rubem Braga, ojornalista e poeta Roberto Braga e o cronista d’O Povo, Air-ton Monte, autor do livro Moça com flor na boca.Affonso Romano de Sant’Anna divide a crônicamoderna em dois momentos: a anedótica (até os anos de1960) e a crônica de densidade política (a partir dos anos70/80). Ou seja, ele nega aos cronistas que escreveram até adécada de 60 a tendência sistemática ao conteúdo social.Eu acho que há dois momentos muito claros da his-tória da crônica no Brasil. Eu diria que essa crôni-ca, que vem dos anos 40, 50, 60, que produziu essesgrandes mestres como Rubem [Braga], Fernando[Sabino], Paulo Mendes Campos, é uma crônica so-bre pequenos fatos do cotidiano. É uma crônicaanedótica, é uma crônica lírica, (...) muito sobre oquadro da zona sul carioca, às vezes, mas falta, emgeral, nessa crônica, a densidade política. Acho queessa densidade política (...) só começa a aparecer,sistematicamente, a partir dos anos 70, para 80.(Anexo 01).O início da crônica engajada, para Sant’Anna, coin-cide com o fim da ditadura militar. Ele próprio afirma terseguido a vertente questionadora em 1984, quando substi-tuiu Carlos Drummond de Andrade, no Jornal do Brasil. Apartir de então, fez questão de acentuar “a necessidade dacrônica falar sobre o outro lado do cotidiano que não é tãolírico, não é tão leve, não distrai tanto o leitor, mas perturbao leitor de alguma maneira” (Anexo 01). Ele reconhece apreferência da crônica atual por temas áridos, tão comunsnos jornais, mas os considera “patéticos”:

 

‚F22v — 2E2xHF2PV2E2†F2IGP2E2—GF2PHHTIHUA crônica se tornou mais política a partir dos anos80. Hoje você tem o Jabor, o próprio Zuenir Venturae eu, desde o princípio, insisti nisso. (...) O que nãosignifica que, eventualmente, num cronista dessa pri-meira fase, dessa fase anterior, você não encontre ale-gorias, referências, mas de uma maneira mais light,ainda graciosa e não de uma maneira patética comonós tratamos hoje o assunto, porque o assunto hojese tornou patético, já não é tão lírico. (Anexo 01).O cronista Airton Monte discorda que a crônica dosanos 60 tenha sido, em sua maioria, lírica e anedótica. Aevolução do gênero, para ele, teve impulso com a transfor-mação imposta pela crítica social, que, ao contrário do queafirma Sant’Anna, teria começado antes dos anos 70/80:Essa grande mudança já começou nos anos 60, em1968, a partir do lançamento d’O Pasquim, que fezuma revolução no jornalismo brasileiro e na crônica.Porque, apesar de ser um jornal essencialmentehumorista, era também um jornal essencialmente po-lítico. E nesse jornal nós vimos os grandes cronistasescrevendo. O Luís Fernando Veríssimo, MillôrFernandes. Hoje, essa tendência da crônica políticaestá mais com João Ubaldo Ribeiro, que sempre ba-teu forte, , e o nosso Veríssimo. (Anexo 03).Roberto Braga acredita que, no que diz respeito aoseu pai, a crítica social era patente, inclusive pela posiçãoideológica que assumiu: “Ele tinha uma atitude muito críti-ca. Ele era socialista utópico, digamos assim. Acreditavanum socialismo que na verdade não existe” (Anexo 02).É interessante observar que Affonso Romano deSant’Anna chama, na crônica, de “alegorias”, “referências”, demaneira “light” e “graciosa” o que Roberto Braga vê como críti-ca subliminar, que só não era mais direta e objetiva por causa dacensura dos anos 60. Dois bons exemplos da crítica social emRubem Braga são Ai de ti Copacabana (BRAGA, 1960) e Atraição das elegantes (BRAGA, 1967). E ele se refere, também,aos demais cronistas da época: “Ah, só era subliminar porque senão ia em cana, não dava. Eles simplesmente não publicariamuma coisa que fosse perigosa para o dono do jornal” (Anexo02). O jornalista sugere que o sentimento de reação literária, deengajamento, já havia durante a repressão, mas só pôde tomarfôlego com a retomada da liberdade de expressão, nos anos80.Engajada ou lírica, o fato é que alguns estudiosos começarama analisar a real dimensão do gênero. Affonso Romano deSant’Anna discorda claramente de Antonio Candido, quando estea define como “gênero menor”, e reafirma a necessidade de es-tudos formais sobre o assunto:Eu sempre repito que a Universidade tem que desco-brir a crônica ainda. A crônica ainda não foi teorizadasuficientemente. Há uma série de equívocos, inclusi-ve o próprio Antonio Candido tem um equívoco sobreisso, quando ele diz que a crônica é um gênero me-nor. Não é um gênero menor. (...) Há pessoas menoresdiante de certos gêneros. Quando tratado devidamen-te, o gênero torna-se maior. (Anexo 01).Os adeptos da corrente de Candido e Paes, de umlado, e de Coutinho e Sant’Anna de outro, parecem conver-gir em um ponto: a importância de Rubem Braga para a crô-nica moderna no Brasil.Rubem [Braga] é um caso singular. Ele realmente fun-dou a crônica moderna no Brasil. Se você pega o quehavia com Machado de Assis, com José de Alencar,Humberto de Campos, Manuel Bandeira, (...) JoséLins do Rego, ele transformou a crônica num objetopróprio. Rubem foi quem definiu na prática o que é acrônica, pelo menos um tipo de crônica moderna,aquele que incorpora o lirismo e o cotidiano a umaescrita sedutora. (Anexo 01).Apesar disso, mais de 13 mil crônicas de RubemBraga dormem esquecidas nos arquivos de antigos jornais erevistas e nunca foram publicadas em livro. É só uma dasevidências de que a crônica e seus autores, como defendemos entrevistados, necessitam de maior atenção da academia.A qualidade e a estreita relação com os leitores, maisque o mero questionamento sobre a permanência do gênero,foram atributos indispensáveis para a sua edificação na histó-ria literária do Brasil. Além das fagulhas líricas, sociais e po-líticas que acendeu, há, principalmente, o legado literário: acrônica caiu nas graças de um país historicamente iletrado.REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICASBRAGA, RUBEM. Ai de ti, Copacabana. Rio de Janeiro:Record, 1960.______. A traição das elegantes. Rio de Janeiro: Record, 1967.CANDIDO, Antonio. A vida ao rés-do-chão. In: ______(Org.). A Crônica: O gênero, sua fixação e suas transfor-mações no Brasil. Campinas (SP), Rio de Janeiro: Ed. daUNICAMP, Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992. p.13-22.COUTINHO, Afrânio. Introdução à literatura no Brasil.Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1990.KUJAWSKI, Gilberto de Mello. A crise do século XX. 2.ed. São Paulo: Ática, 1991.LIMA, Luiz Costa. O transtorno da viagem. In: CANDIDO,Antonio (Org.). A Crônica: O gênero, sua fixação e suas trans-formações no Brasil. Campinas (SP), Rio de Janeiro: Ed. daUNICAMP, Fundação Casa de Rui Barbosa, 1992. p. 41-72.MONTE, Airton. Moça com flor na boca. Fortaleza: LivroTécnico/Funcet, 2004.]PAES, José Paulo. Crônica (verbete). In: MOISÉS, Massaud;PAES, José Paulo. Pequeno dicionário de literatura brasi-leira. 3. ed. São Paulo: Cultrix, 1987.SÁ, Jorge de. A crônica. São Paulo: Ática, 1985.SANT’ANNA, Affonso Romano de. A crônica é literaturaviva. In: Revista de Comunicação, nº 33, 1993.

 

‚F22v — 2E2xHF2PV2E2†F2IGP2E2—GF2PHHTIHVANEXO 01“A Universidade tem que descobrir a crônica”, dizAffonso Romano de Sant’AnnaEntrevista a Affonso Romano de Sant’Anna realiza-da em 30.08.2004, durante uma visita ao Projeto Labirinto,no Museu de Arte da UFC e na VI Bienal Internacional doLivro, em Fortaleza.Ana Karla Dubiela – Na crônica de Rubem Braga vocêidentificou um “choque lírico”, inesperado, ao final dos tex-tos. Como você vê a prosa e a poesia, ou seja, a “proesia” deBraga?Affonso Romano de Sant’Anna – Essa idéia do choquelírico reativa a idéia de estranhamento da linguagem. A lin-guagem prosaica convencional, ela não produz nenhumestranhamento, nenhum choque. Ela pode produzir um co-nhecimento, uma informação, uma surpresa nessa área. Cho-que lírico pega pelo imprevisto, mas também pela emoção,por uma certa irracionalidade. Como se houvesse um vácuoentre uma palavra e outra e o autor, no entanto, conseguejuntar as duas palavras mais esse vácuo, e cria no leitor apossibilidade de estranhamento da sua parte e a possibilida-de do leitor entrar dentro do texto. Essa é uma das funçõesda poesia. A poesia é um texto que não é um texto fechado,não é um texto completo. É um texto que traz pra dentro desi o leitor. Ele convoca o eu do leitor a sair de dentro doleitor.AKD – A Traição das Elegantes foi escrito em 1967, ouseja , três anos após o golpe militar e às vésperas do AI-5.Como era fazer crítica social através da arte numa épocatão conturbada?ARS – É curioso anotar o seguinte: Eu acho que há doismomentos muito claros da história da crônica moderna noBrasil. Eu diria que essa crônica, que vem dos anos 40, so-bretudo, 50, 60, que produziu esses grandes mestres comoRubem (Braga), Fernando (Sabino), Paulo Mendes Cam-pos, é uma crônica sobre pequenos fatos do cotidiano. Éuma crônica anedótica, é uma crônica lírica, é uma crônicamuito sobre o quadro da zona sul carioca, às vezes, masfalta, em geral, nessa crônica, a densidade política. Achoque essa densidade política na crônica brasileira só começaa aparecer, sistematicamente, a partir dos anos 70 para 80.Quando eu comecei a fazer crônicas, substituindoDrummond em 84, uma das vertentes que eu fiz questão deacentuar foi essa. A necessidade da crônica falar sobre ooutro lado do cotidiano que não é tão lírico, não é tão leve,não distrai tanto o leitor, mas perturba o leitor de algumamaneira. Ainda recentemente, eu acabei publicando um li-vro chamado Nós os que matamos Tim Lopes, que é umlivro de crônicas, que resultou do fato de um editor me pe-dir pra reunir todas as crônicas que eu havia feito sobre aquestão da violência no país. E, ao fazer o recolhimentodessas crônicas durante quase trinta anos, me dei conta queali, de alguma maneira, estava a história do banditismo e daviolência urbana no país dos anos 70 pra frente. Por quê?Porque a violência faz parte da crônica do país. Tanto é quea minha tese era de que a história do país é também a histó-ria dos seus bandidos. Se você escrever a história dos ban-didos, é capaz de entender melhor o país do que se escrevera história dos generais ou a história dos pintores e dos escri-tores. Então, a crônica se tornou mais política a partir dosanos 80. Hoje, você tem o Jabor, o próprio Zuenir Ventura eeu, desde o princípio, insisti nisso. Nesse sentido, como eudisse no princípio, parece que tem dois momentos muitoclaros. O que não significa que, eventualmente, num cronis-ta dessa primeira fase, dessa fase anterior, você não encon-tre alegorias, referências, mas de uma maneira ainda light,ainda graciosa e não de uma maneira patética como nós tra-tamos hoje o assunto, porque o assunto hoje se tornou paté-tico, já não é tão lírico.AKD – Em “A traição das elegantes”, Rubem Braga partede uma simples declaração do Ibrahim Sued sobre as fotosdas mulheres mais elegantes do ano para analisar o compor-tamento social de uma época, deslumbrada com a recenteindustrialização e o chamado “Milagre Econômico”. Até queponto a crítica social influenciou os cronistas da época?ARS – Talvez uma coisa que possa ser dita em relação aessa pergunta é que uma das características básicas da crô-nica, enquanto gênero literário, nunca foi estudada formal-mente. Eu sempre repito que a Universidade tem que desco-brir a crônica ainda. A crônica ainda não foi teorizadasuficientemente. Há uma série de equívocos, inclusive opróprio Antonio Candido tem um equívoco sobre isso, quan-do ele diz que a crônica é um gênero menor. Não é um gêne-ro menor. Eu sempre digo: há pessoas menores diante decertos gêneros. Quando tratado devidamente, o gênero tor-na-se maior. Uma das características da crônica, se eu fosseum dia tentar pensar não mais como cronista mas pensarcomo professor e como teórico. Um dos itens é que a crôni-ca é uma operação metonímica, ou seja, é um texto que tomao particular pelo todo. É o caso do Rubem Braga. Ele pegauma frase do Ibrahim Sued e, através daquela frase, ele vaitecendo um comentário que é muito mais eficiente do queum comentário de um sociólogo ou de um historiador. Isso,em outros termos, é muito o que faz o Veríssimo, também, otempo todo. Ele trabalha da parte pelo todo.AKD – A crônica se impôs como gênero literário no Brasil,ao contrário de outros países. Na sua opinião, qual o papelde Rubem Braga na consagração do gênero na literaturabrasileira?ARS – Rubem é um caso singular. Ele realmente fundou acrônica moderna no Brasil. Se você pega o que havia comMachado de Assis, com José de Alencar, Humberto de Cam-

 

‚F22v — 2E2xHF2PV2E2†F2IGP2E2—GF2PHHTIHWpos, Manuel Bandeira, anteriormente, José Lins do Rego,ele transformou a crônica num objeto próprio. Rubem foiquem definiu na prática o que é a crônica, pelo menos, umtipo de crônica moderna, aquele que incorpora o lirismo e ocotidiano a uma escrita sedutora. Por isso é que, teorica-mente, há que se estudar porque essa crônica, a partir deentão, passou a ter uma estrutura própria.AKD – O escritor atual tem uma função social? Ainda faze-mos «literatura engajada»? Se ela existe, qual a diferençaentre a função social do cronista de hoje e do que escreviaem 1967, por exemplo?ARS – Veja meu livro Nós, os que matamos Tim Lopes.Creio que a partir dos anos 80 a crônica incide no social.Eu, pelo menos, investi nessa direção também, devido aosveios principais de minha criação poética.AKD – Sartre, em Que é a Literatura? diz que o escritormuitas vezes fala em nome de uma classe que não é a sua(em defesa dos pobres, por exemplo, ou um branco falandodos problemas dos negros) e costuma criticar quem que lhemantém (o governo ou as editoras). Até que ponto isso in-terfere na crítica social feita através de uma crônica? Oumelhor, até que ponto a criação artística deve se pautar ex-clusivamente na bagagem que o artista traz ou na classe aque pertence?ARS – Isto é mais complexo. A maioria dos escritores nos-sos vem de classes baixas. Mas mesmo os que vieram daelite rural como Amado, Lins do Rego e Drummond, tive-ram atuação social-política. Podemos observar isso nos tex-tos de Sergio Micelli sobre as origens dos escritores brasi-leiros. sobre crônica e participação.ANEXO 02Filho de Rubem Braga diz que a crônica atual é“cascata”Entrevista com o poeta e jornalista Roberto Braga,realizada em 22.09.2004.Ana Karla Dubiela – Como era sua relação com o seu pai.Ele influenciou na sua relação com a escrita, tanto no jorna-lismo como na poesia?Roberto Braga – Sem dúvida, ele influenciou muito.AKD – Como era o homem, o pai e o cronista Rubem Braga?RB – Era uma pessoa fora do comum, né? Muito à frente doseu tempo.AKD – O senhor organizou o único livro de versos do seupai. Ainda há algum projeto para as outras 14 mil crônicasainda não publicadas?RB – Não, já encerramos. O restante, a maioria matériasjornalísticas, está na Fundação Casa de Rui Barbosa, no Riode Janeiro. Foi para lá que mandamos tudo o que restou,depois da morte dele. A Fundação tem hoje como segundomaior acervo o de Rubem Braga, o primeiro, é claro, é o deRui Barbosa.AKD – E como era o método de trabalho de Rubem Braga?RB – Ele não tinha nenhum método de trabalho (rindo).Escrevia sempre como obrigação. Ele tinha muita dificul-dade de dormir, sabe? Acordava e dormia freqüentemente,dia e noite, e então ele aproveitava o tempo que estava acor-dado para trabalhar. Quando ele não estava dormindo, eleestava escrevendo.AKD – O que o senhor gosta mais na obra de seu pai?RB – O que eu gosto mais é a parte que trata da infânciamesmo, acho a parte mais saborosa. Mas a crônica que gos-to mais, disparada, é “Aula de Inglês”, que o Paulo Autranfreqüentemente diz. É muito engraçada.AKD – Como era a relação dele com a crítica, nos anos 60,por exemplo?RB – Naquela época a crítica não tinha muita atuação nocenário literário não. E até hoje ainda não tem. Mas a rela-ção era muito boa, porque ele era editor de livros, então eramuito respeitado no mundo literário, tinha uma boa relaçãoinclusive com os outros editores e escritores.AKD – E como poeta, como o senhor analisa os versos doseu pai?RB – Eu não analiso não, eu sinto, eu gosto. Embora euprefira o Rubem Braga cronista, né? A poesia era mais umabrincadeira dele. Ele dizia para as pessoas não se preocupa-rem que ele não publicaria outro livro de versos.AKD – Com relação à crítica social, qual era a posiçãodele?RB – Ele tinha uma atitude muito crítica. Ele era socialistautópico, digamos assim. Acreditava num socialismo que naverdade não existe.AKD – Ele foi um dos fundadores do PSB. Essa posiçãopolítica era atrelada ao seu trabalho ou ele era mais inde-pendente?RB – As duas coisas. Ele era extremamente independente,mas chegava aos políticos com freqüência, tinha muitas re-lações com o mundo político.AKD – E como ele trabalhou essa posição política nos anos60, durante a ditadura militar? Essa crítica social muitasvezes subliminar era comum aos cronistas da época ou erauma característica maior em Rubem Braga?

 

‚F22v — 2E2xHF2PV2E2†F2IGP2E2—GF2PHHTIIHRB – Ah, só era subliminar porque senão ia em cana, nãodava. Eles simplesmente não publicariam uma coisa quefosse perigosa para o dono do jornal.AKD – Na sua opinião qual o maior legado da obra de seupai para a literatura brasileira?RB – A extrema busca da verdade, esse é o legado.AKD – Qual a avaliação que você faz da crônica nos diasde hoje?RB – Eu sinceramente não gosto da crônica atual. Como sedizia antigamente, é uma tremenda cascata, quer dizer, es-crevem sem nenhum plano, enfim... seria muito melhor se oespaço dos cronistas fosse móvel, quer dizer, quando elestivessem mais o que dizer escreveriam mais, quando tives-sem menos, escreveriam menos, agora ter que preencheraquele espaço todo dia é muito sem graça. São grandesenrolações, com exceções de alguns grandes cronistas, comoZuenir Ventura, mas o resto sinceramente eu não gosto. Temuma politização sim, mas banalização mais ainda, porquetem cronista demais.AKD – Como é viver na cobertura que marcou época naliteratura do Rio de Janeiro? O jardim onde seu pai traba-lhava ainda continua intacto?RB – Da mesma forma é muito prazeroso.ANEXO 03O fenômeno crônica ainda é “território virgem”, ob-serva o cronista Airton MonteEntrevista com o cronista Airton Monte, realizadaem 10.09.2004, em Fortaleza.Ana Karla Dubiela – Quando você começou a escrevercrônicas?Airton Monte – Entre 87, 88. Foi lançado um jornal emFortaleza, em formato de tablóide, que era encartado no JD(Jornal do Dorian). O nome do jornal era O Pixote. Era umjornal humorístico, mas também cheio de cronistas. Era se-manal. O presidente era o Neno Cavalcante e o diretor-exe-cutivo era o Gervásio de Paula.AKD – Além de você, quais os outros cronistas?AM – Gervásio de Paula, Dedé de Castro, Blanchard Girão,José Domingos, Idelberto Torres, Guilherme Neto... umaplêiade de cronistas da terra, um pessoal que já havia escri-to em jornal e eu fui convidado a participar desde o primei-ro número. Escrevia uma crônica semanal para O Pixote.AKD – Como foi passar da Medicina, da Psiquiatria, paraas letras?AM – Quando eu entrei para a faculdade de Medicina eu jáescrevia. Eu fui do Clube dos Poetas. Tem muita gente aquique foi do Clube dos Poetas e nega: Adriano Espínola, CarlosAugusto Viana. Então eu estou nesse negócio antes da fa-culdade. De vez em quando, colaborava no Pasquim.AKD – Você tem idéia de quantas crônicas você escreveuaté hoje?AM – Em dez anos de jornal, calculo em torno de três milcrônicas. Com a ajuda do Dimas Macedo e do CarlosAugusto Viana, escolhi 50 delas, que estão na coletâneaMoça com flor na boca.AKD – Quais as suas principais influências como cronista?AM – Além de trabalhar em livraria, meu pai sempre noscercou de livros. Lá em casa sempre tinha muito jornal, todomundo lia muito. Como meu pai comprava todos os jornaise era fã da crônica, como minha mãe, um dos primeiros cro-nistas que eu li foi o Caio Cid. O Jader de Carvalho e ogrande Milton Dias. Lia Ciro Colares, que é a minha influ-ência maior, que pra mim é um dos maiores cronistas doBrasil. . Depois o Otacílio Colares, que tem livros precio-sos. No Brasil, Machado de Assis, Lima Barreto, que é ummonstro. Depois o pessoal que escrevia na Última Hora, nafase áurea do jornalismo brasileiro, em O Cruzeiro, na Man-chete, onde começou a despontar talvez a maior geração decronistas que este Brasil já teve. Eu acho que foi aí que acrônica se firmou em popularidade. Um Sérgio Porto, comseu Stanislaw Ponte Preta, o grande e imenso Rubem Braga,Paulo Mendes Campos, Fernando Sabino, Antônio Maria, oimenso Nélson Rodrigues. E o pessoal do futebol, comoGeraldo Romualdo, Armando Nogueira, que escrevendosobre futebol elevaram a crônica desportiva ao nível poéti-co. E Joel Silveira, a víbora, e Carlinhos de Oliveira.AKD – A evolução da crônica no Brasil passou da fase do-cumental para a leveza dos folhetins e depois foi se tornan-do mais política. Você acompanhou essas transformações?AM – Essa grande mudança já começou no final dos anos60, em 1968, a partir do lançamento d’OPasquim, quefezuma revolução no jornalismo brasileiro e na crônica. Por-que apesar de ser um jornal essencialmente humorista, eratambém um jornal essencialmente político. E nesse jornalnós vimos os grandes cronistas escrevendo. O Luís FernandoVeríssimo, Millôr Fernandes. Hoje, essa tendência da crô-nica política está mais com João Ubaldo Ribeiro, que sem-pre bateu forte, e o nosso Veríssimo.AKD – Você diz que o Ceará é o estado com mais cronistapor metro quadrado. Desde quando?AM – Desde o começo, desde a Padaria Espiritual. Reparehoje, quem continua no batente: dos mais antigos, dos vo-vôs, Guilherme Neto, Lustosa da Costa, e da nova geração aVânia Vasconcelos, tem também o Carlos Augusto Viana eoutros que não me lembro agora. Algumas jornalistas têmtudo para ser cronista. Eu gosto muito do texto da Vânia

 

‚F22v — 2E2xHF2PV2E2†F2IGP2E2—GF2PHHTIIIVasconcelos e da Ethel de Paula, elas sabem escrever. AVânia com o conteúdo mais existencial, mais lírico, e a Ethelna linha mais rubembraguiana, mais cotidiana, tem tudo paraser uma grande cronista.AKD – Alguns teóricos defendem que a crônica é um gêne-ro menor. Você concorda?AM – Eu acho que em termos literários, não existem gêne-ros maiores nem menores. O romance não é menor, mas háromancistas menores, há contistas menores, há poetas me-nores e também há cronistas menores. Menor ou maior emtermos de talento, de saber escrever.AKD – Como é a relação da crônica com a AcademiaCearense e as faculdades de Letras?AM – A maior parte tem esse viés preconceituoso de que acrônica é um gênero menor. Muitos me dizem “você nuncamais escreveu nada sério, rapaz, só escreve crônica...” Éessa mentalidade que predomina em 90% dos literatos. Nauniversidade, também.AKD – Na verdade ela nasceu sem pretensão de durabilida-de, para ser jogada fora junto com o jornal. Por que ela sur-preendeu e está nas prateleiras das bibliotecas?AM – Além de ter virado livro, ela virou hábito. As pessoastêm o hábito de recortar a crônica e arquivá-la. As mulhe-res, como são mais perfeccionistas, têm cadernos com cole-tâneas. Algumas delas me mostraram cadernos e pastas comminhas crônicas coladas e de outros cronistas, que elasrevisitam quando querem. É incrível que apesar dessareceptividade, a crônica fica esquecida. Você tem teses naacademia sobre tudo no mundo, até sobre coisas que nãointeressam a ninguém, como a aliteração em Camões, a fun-ção do “que” em determinado autor. Nunca se gastou tantopapel em vão.AKD – Como você conceituaria a sua própria crônica? Quaisos temais mais recorrentes?AM – É a vida. No sentido em que eu vejo a vida e as coisasda vida. No meu universo particular, os símbolos mais re-correntes são a amizade, o amor, a mulher (talvez por tersido criado e ter crescido entre mulheres: irmãs, avós, tias,mãe, para onde eu ia tinha uma mulher do meu lado mepaparicando), a noite (porque a minha família é de boêmi-os), o futebol, a política.AKD – E sua relação com a Academia de Letras?AM – Não tenho nenhuma relação. Com os acadêmicos quesão meus amigos há muito tempo, antes de serem acadêmi-cos, a minha relação é ótima. São vários os escritores daminha geração que estão na academia: Marli Vasconcelos,Dimas Macedo, Luciano Maia, Carlos Augusto Viana,Virgílio Maia e outros. Quase um terço da academia é daminha geração.AKD – Qual a avaliação que você faz da crônica nacionalhoje? Quais suas tendências?AM – Eu acho que entre os que estão na ativa, os que euleio mais, você encontra tendências bastante diferentes. OVeríssimo, com um humor mais refinado, um cronista decomédia de situação. E na linha mais política, fortementecrítica, está o nosso grande baiano João Ubaldo Ribeiro,que escreve em O Globo, O Estado de S. Paulo, entre ou-tros. Hoje em dia, são os dois mais lidos.AKD – Assim como as outras formas de arte, a crônica tam-bém traduziu o ambiente do AI-5, a repressão dos anos 70 ea liberdade pós-ditadura militar?AM – Não como linha predominante, porque eu acho que acrônica é o mais independente dos gêneros. O cronista elenão é pautado. Com exceção do tempo da ditadura, nos anos60, com endurecimento brabo, há uma atuação maior. OCarlos Heitor Cony tem um livro que tem tudo a ver com ogolpe de 64: O ato e o fato.AKD – E o Rubem Braga?AM – É o grande poeta lírico da prosa. É difícil que alguémseja igual a ele. Aqui no Ceará guardam algumas semelhan-ças com ele o Milton Dias e principalmente o Ciro Colares.AKD – Voltando à academia, você citaria algum trabalhoacadêmico sobre crônica no Ceará que chamou sua atenção?AM – A crônica é um terreno muito virgem para teses edissertações, para estudos de especialização, mestrado edoutorado. E não sei como um país como o Brasil que, pode-se dizer, inventou a crônica ainda não estudou o gênero comodeveria. Porque não tem um jornal, do menor jornalzinhode uma pequena cidade do interior ao maior, que não tenhaum cronista. Até a TV tem um cronista.. É por isso que achoque a crônica é um território virgem, que deveria haver maistrabalho e pesquisa sobre esse fenômeno que é a crônica.

 

 

Comentarios
O que você achou deste texto?     Nome:     Mail:    
Comente: 
Perfil do AutorSeguidores: 9Exibido 8 vezesFale com o autor