Há dias em que coincide. Na hora em que saio para trabalhar, cruzo caminhos com um pai e seus três filhos pequenos que seguem na direção da escola. Um pai dedicado que leva sua tropa ao treino, profissão de fé no futuro, esperança construída com sacrifício e muita força de vontade. Faça chuva ou faça sol, lá surge ele na outra extremidade da calçada com seu trio sonado para mais um dia de aula.
Nunca tive a oportunidade de parar e conversar com eles. Nem sei se seria possível porque os quatro passam em passo marcado, com rapidez, dando a impressão de sempre estarem atrasados. Vez ou outra um dos pequenos ameaça um gemido ou protesto, mas fica só na ameaça porque seguem quase em trote para acompanhar o ritmo do mais velho. Não há fólego para reclamos.
Quem será esse pai? O que deve esperar do futuro para insistir na jornada que leva seus filhos à escola? Não deve ir por costume, porque o ser humano é safado e, se pode, desiste. Deve haver algum motivo, algum sentido muito profundo naquele exercício diário com a tropa a caminho da escola. Talvez seja um sujeito sofrido que imagina para os filhos um futuro melhor do que seu presente. Talvez seja apenas um pai dedicado ou marido consciente. Acho que nunca vou ficar sabendo.
Outro dia eu estava no carro, parado no farol. O farol permite enxergar o mundo. No carro da frente um pai arrumava o filho menor no "moisés", aquele banquinho especial para crianças pequenas. Era banquinho de filme americano, daqueles em que a criança viaja de costas para o vidro da frente, no banco ao lado do motorista. Outro filho acompanhava os movimentos no banco de trás. Não pude deixar de lembrar do pai caminhante dos três filhos caminhantes que passam em frente de casa.
Daí veio a pergunta óbvia (perguntas de farol, quando a gente não está no trànsito com pressa). Por que não ofereço carona à família caminhante? Nunca pensei nisso. As separações que nos permitem sobreviver nos afastam de nós mesmos. Não me custaria nada levar os quatro à escola. Quem sabe pudesse saber um pouco mais a respeito de seus sonhos e frustrações. Quem sabe pudesse aprender um pouco mais.
Porque aquela família que caminha diariamente pela manhã e à s vezes encontro à caminho do trabalho já me ensinou que o mundo melhor não vem pronto. Custa sacrifício, custa esforço, custa a falta de fólego que não permite o reclamo. O Pai Nosso daquelas três crianças não está céu. Faz diariamente o reino da terra, passo a passo, com a determinação de quem não é santo, mas confirma a vida como um verdadeiro milagre.