Nunca jamais se viu agonia tão lenta e enganadora.
Menina ainda, já ouvia que andava em estado terminal, que seu desaparecimento era tão inapelável como o do condenado que se encaminha à càmara de gás. Apenas uma questão de tempo. No rolar dele, isto é, do tempo, centenas de manchetes prenunciaram sua morte e muitas, até mais conclusivas, decretaram o silêncio total em torno de tudo o que lhe dissesse respeito, já que era considerado um rei posto, sem cetro nem coroa.
Mas como, capitular ante notícias de imprensa, ou ceder os derradeiros haustos aos inimigos ferrenhos, lhe espicaças se os brios, o agonizante foi reagindo pouco a pouco à s injeções glicosadas que lhe aplicaram os amigos. Rejuvenesceu e aí está, vivo, bem vivo, com os carnavalescos saudosistas da
velha guarda a enfrentar a fúria dos intransigentes. É claro que seus inimigos continuam a designá-lo, com numerosas razões e argumentos nem sempre falsos, como uma das mais pecaminosas manifestações do gênero humano.
Tudo bem. Mas que morra o Carnaval não acredita o bom senso. O de rua, talvez, por mais exposto ao sereno, Ã umidade, Ã s intempéries, se transformou, na voz daqueles, no cadáver há muito enregelado, enfiado em tumba obscura. No entanto, aí está, redivivo, não apenas nos grandes centros, co mo São Paulo, mas em inúmeras cidades do circuito interiorano, estadual e até federal.
No Rio e na Bahia, onde as condições de clima lhe são mais salutares, desde a configuração geográfica, ao espírito folgazão do carioca e do baiano, até ao contágio fácil da vibração carnavalesca, há meses se agigantam os seus preparativos. Numa verdadeira avalanche que culmina nos três, quatro e não sei mais quantos dias de folia. "Evohé, Momo!", bradam as turbas enlouquecidas dos morros, dos clubes elitistas, da sociedade, enfim, esquecidas do custo de vida, da violência, das redes de tráfico, dos terremotos e dos temporais que, com
as inundações decorrentes, alagam seus pertences e suas vidas.
Aqui em nossa cidade, espera-se o grito coeso do "Refogado do Sandi", que alegrará as ruas como a primeira manifestação carnavalesca do ano. No Rio, comenta-se a volta dos velhos ranchos da velha-guarda, que, ao lado das escolas de samba, darão aos dias de Momo o sabor delicioso das coisas antigas. E em nossa Capital, inúmeros blocos optam pelo chorinho, que fazia a delícia de passados carnavais.
E o velho corso? E as batalhas de confetes, será que retornarão um dia, como exemplar manifestação de um Carnaval sem mácula, dedicado pura e simplesmente à contagiante alegria popular? Esse regresso se daria sem necessidade de se apelar para o sexo, para as drogas ou para as segundas e terceiras intenções do lança-perfume. Essa utopia só seria cabível no caso de o Brasil, no contexto do mundo, sofresse a mais radical mudança em suas bases.
Enche-se de saudade o coração dos autênticos carnavalescos de outrora, após tantas lembranças. Mas, voltando à folia de hoje, a massa aguarda com fervor seu velho líder, que parecia expatriado e morto. As boas-vindas, os evoés e os "abre-alas" já surgem no horizonte, prontos para a feérica recepção ao ex-moribundo monarca Os lídimos foliões, antes de lhe minarem a saúde com a febre do imoral desregramento, que se proponham a ajudá-lo para que se torne o símbolo do divertimento sadio, que descarrega tensões e liquefaz os mais variados complexos.