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 | Cronicas-->A pipeta de Teotista -- 14/09/2013 - 02:06 (Brazílio) |  |  |  |  |  |
 | A sala de Ciências era a mais interessante das dependências do Ginásio, com 
 aqueles armários e aparelhinhos de experimentos que nem sempre estavam ao
 
 alcance de nossa mão, mas bastavam e asas davam, à imaginação.
 
 O anel de Gravesande, por exemplo, aquela esfera de aço pendurada numa haste
 
 encurvada, enquanto fria passava normalmente num aro que se lhe colocava logo
 
 abaixo, mas quando aquecida - havia uma espécie de lamparina na base do
 
 aparelho - babau, não passava naquele aro nem a pau.
 
 E dona Teotista, já próxima da aposentadoria, ou dela já bem além, é que tinha a
 
 chave daquele reino encantado - e trancado. Dominava bem a matéria que vinha
 
 ensinando a décadas e a gerações, mas já não se via na velha mestra aquele
 
 ardor, aquela vibração - mesmo com tanta aparelhagem à mão.
 
 Na verdade parecia mais agastada, com a vida e com a classe que regia, a cada
 
 dia. Tossir na sala era prenúncio de expulsão e suspensão. Raspar a ganganta
 
 então...
 
 Teotista desconfiava de tudo e de todos, achando que lhe estávamos a caçoar. E
 
 era bem verdade sua suspeita, só que mais muda era a nossa desfeita. Uma
 
 exceção apenas um dia ela abriu para o Wellington, o Cabrito, para tossir - não
 
 berrar. Provavelmente porque a mãe do garoto, pressurosa, avisara formalmente
 
 do estado tússico do menino. E ele tossia. Mas abusava, a gente bem percebia - e
 
 persabia. Garantido o sursis naquele dia, o bom Cabrito não erraria. E berraria.
 
 E passou a tosse, passaram os achaques e fomos nos acostumando àquela
 
 periclitante convivência. Nem as idas regulares de Dona Teotista para trás do
 
 quadro negro - que era móvel - para assungar sua saia e reajeitar as fraldas da
 
 blusa no seu interior já nos comoviam.
 
 Mas o dia em que ela abriu a gaveta de um armário e me mandou pegar uma
 
 pipeta...
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