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Numa tarde de agosto, viajávamos por uma estradacarroçável, entre o Piauí e o Maranhão. Por ali, raramente, passava algum tipo de veículo motorizado e durante os dois dias que o ônibus ficou quebrado, não passou nenhum carro... Era o Brasil de 1973. Sem outro recurso, o motorista caminhou 70 quilômetros rolando o pneu e aro com as mãos, como o fazia divertindo-se em seu tempo de criança...
Mal caiu a tarde, veio a escuridão acompanhada de um silêncio ensurdecedor e pôde-se ver bem longe um fogo no meio da mata. Um passageiro mais experiente disse:
— Aquilo é índio. Vamos lá!
— Não é perigoso? — indagou outro.
— Não! Eles são mansos, além do mais, tenho dois revólveres neste saco. Quem quiser ir, me acompanhe.
Fomos.
Bebemos cachaça com eles até o dia amanhecer. Nós pagando tudo, e muito caro.
Logo nos primeiros raios de sol, conhecemos a pequena tribo, uns cem ou cento e cinqüenta indivíduos, mais ou menos. Se eram mais, não os vimos nem indagamos quantos... Entrei numa oca – uma casa de palha — palha na cobertura e nas paredes... Levei um susto: sobre um jirau estava uma índia parida – arreganhada - e um menino feio caladinho... ele tinha uns dois ou três dias de nascido. Sem graça, saí às pressas e dei de cara com o cacique. É agora que vou conhecer o peso do tacape... Decerto, ele sabia que eu vira a índia totalmente desprevenida. Nua, nuazinha... Então, para amenizar o impacto, perguntei: “a mulher do cacique ganhou um curumim?”
— O cacique é dono de todas as mulheres – disse ele.
E assim, entendi que o chefe podia ter intimidade com qualquer uma daquelas índias e a coisa ficou por isso mesmo. Voltamos à palhoça, um modelo sem paredes, semelhante aos galpões que os brancos pobres constroem para realizar eventos.Vi muitos litros vazios e no fundo de cada um deles, uma razoável quantidade de pernas de grilo.
– Que é isso no fundo do litro?
— É meizinha — respondeu o camarada – cura toda doença do fígado e do intestino.
É, pelo tanto que bebemos, estamos curados de todos esses males. Pensei.
— Que temos para comer. Pagamos o preço que o camarada cobrar!
— Só farinha — respondeu.
Dias depois, resolvido o problema mecânico, alcançamos, com vida, o povoado Sabonete, não muito longe de Barra do Corda.
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