Num mundo em que mudos, falam; em que cegos, vêem; em que surdos, escutam; tudo é possível ? Nem sempre !
Por isso não me preocupo em entender, pois sei que viver ultrapassa todo e qualquer entendimento, mas em meus contínuos momentos de solidão e tristeza ponho-me a pensar em como poderei viver se a cada pessoa morta injustamente sou igualmente morto inconscientemente.
A solução ? Não sei, mas caminho sem objetivos, sem justificativas, sem perspectivas estou. Não tenho futuro, não possuo passado, sou o presente cru e nu.
Vagueio de um lado a outro, ruas e casas são ultrapassadas por mim com certa dificuldade e precaução. De repente paro, sem saber o porquê, mas paro. Vejo ao longe uma televisão, em uma vitrine. Me aproximo, olho-a perturbado. Percebo nesta, que outro igual a mim acaba de ser morto, sem a menor piedade. E o autor do crime ? Ah ! Sim, uma tal de sociedade.
Volto a caminhar, ora já estou acostumado com esses fatos. Penso, penso muito. Sou a mágoa do passado que age no presente. Sou alguém que, com certeza, só quer amar e, acima de tudo, ser amado.
Novamente paro. Defronto-me com uma estação de metró, ou melhor, com uma escada rolante. Começo a caminhar nela, mas para o lado oposto. Logo percebo que não saio do lugar, e que pessoas com um brilho ofuscante passam por mim despercebidas.
Até o momento em que volto a mim, e avisto um homem diferenciado. Já adulto, de cabelos longos, de grande barba, com aproximadamente 33 anos, vestindo roupa longa. Ele parece um sacerdote, mas não, encontra-se muito sujo.
Aproxima-se e, em minha frente, pára. Olhamo-nos pasmados durante algum tempo, como se fóssemos pai e filho. Dirige-se ao meu encontro e coloca-se a caminhar igualmente.
Volta-me o olhar e fala com uma voz cansada:
"És o grão que está para nascer, és o futuro dessa gente que hoje não vê, que caminha, caminha, e não sai do lugar. Só não sei até quando será possível suportar esse infinito e desamparado Falso Pisar".
Fiquei extremamente emocionado com suas palavras, pois ainda ninguém havia se preocupado comigo. Uma lágrima escorre em meio a tanta covardia. Percebo que ele também chora e que em seu rosto, mãos e pés começava verter sangue. Ele morre em meus braços. Seu sangue vermelho forte, oculta a hipocrisia de nosso povo. Grito desesperado e angustiado como nunca gritei, desabafando:
- Sonhem pois este é o motor do mundo e que, uma vez acionado, jamais pára. Sonhem com o amor da primavera e com a ternura das crianças que ainda brincam com seu aconchego de beleza. Sonhem antes que o Falso Pisar os levem para um mundo sem volta.