Ontem, pela manhã, eu saí de casa...Nem era assim, tão manhã! Não acordei muito cedo; depois, o banho, o cortar a barba, o vestir-me, tudo isto levou algum tempo. Tem ainda a espera pelo ónibus e o pequeno percurso. Talvez já andássemos lá pelas onze horas, quando eu cheguei ao Shopping e à s lojas Renner. A mesa ali está, coberta de caricaturas, desenhos, blocos e folhas soltas de papéis: Canson, Raphael...Mas o artista não está, ainda.
Num ato sem igual, numa demonstração de respeito e incentivo à cultura e à arte, esta empresa cedeu espaço para a divulgação do trabalho artístico. Parabéns!
Mas, na ausência do artista, vou percorrendo os corredores e fazendo minhas observações. Em minhas últimas estadas neste local, o caricaturista e eu fomos, várias vezes, a um mesmo café. E a cada vez, observávamos e comentávamos o atendimento...nota zero!
-Como é que, com esta ausência de gerência, pode uma cafeteria deste porte, pretender atender aos turistas que aqui vêm?
Na quinta visita e quarta insatisfação, disse eu ao meu amigo:
-Aqui não volto mais! Isto, depois de nos sentarmos e eu mesmo ter que ir ao balcão buscar o pedido feito à garçonete. E o movimento era quase nenhum, à quela hora do dia.
Mas, voltando à s andanças de ontem:
Procurei por um café onde pudesse ser bem atendido. Relembrei-me, é um tanto distante dali, dois andares acima existe uma pequena e simpática cafeteria, com atendimento nota dez. O prazer acaba valendo o sacrifício.
Tomei um cafezinho demorado. Fiquei, calmamente, apreciando as fotos e as cópias dos cartões postais da cidade no início do século. Algum tempo depois, quando voltei ao piso térreo, já lá estava o meu amigo, em seu posto de trabalho, trazendo vida, luz e colorido à entrada desta simpática loja de departamentos.
Um ar preocupado estava estampado em sua fisionomia.
-Bom dia, Don Queirolo! O que é que o preocupa? - Don Queirolo é a maneira amistosa com que o trato.
Preocupa-lhe, a perda de memória que acredita que esteja acontecendo. E vai discorrendo sobre as lembranças falhas.
-Sabes que, Ã s vezes, não me recordo de alguns de meus quadros. Ou eu os esqueço ou então, outras vezes, não sei o que fiz deles. No entanto, existem coisas das quais me recordo com uma clareza total. Lembro-me perfeitamente das misturas de pigmentos, que aprendi a fazer, ainda na universidade, há mais de quarenta anos.
-Amigo! Creio eu, ser muito natural este aparente esquecimento. Existem situações, mesmo na atividade artística, em que o uso do racional está presente. E tudo o que é elaborado com a presença do racional, fica indelevelmente gravado. Mas, existem as criações puramente emocionais. E, estas, Ã s vezes passam-nos desapercebidas pela leveza de sua criação.
-Sim, mas eram dois quadros aos quais eu tinha muito apego. Eram duas aves, lindas! Uma em cada quadro.
-Fazia muito tempo que tu as havia pintado?
-Um pouco antes de ires estudar comigo. Faz uns três anos, talvez...
-Ora, meu amigo, não te preocupes! Já estavam adultas, devem ter se apaixonado e fugiram; coisas do coração...