Inventei uma brincadeira que só faço com pessoas muito queridas, para então poder conhecê-las melhor. É indagar, vez por outra, sobre o nome de uma pessoa de sua admiração. Vale tudo. Gente viva, morta, brasileira, estrangeira, famosa ou desconhecida, de qualquer área de atuação. Já ouvi de tudo como resposta: "minha avó", "minha irmã", Albert Sabin, Pelé, Mahatma Gandhi, Vincent van Gogh, Mozart e até Alceu Valença. Repito a pergunta alguns anos depois e vou colecionando as respostas, que vão variando com o tempo. Não conto nada pra ninguém, simplesmente guardo-as no fundo do meu coração, associadas a seus donos.
Mas hoje me deu vontade de brincar comigo mesmo. Assim sendo, perguntei pra mim: Qual a pessoa que eu mais admiro? Pergunta difícil para quem, como eu, gosta de tanta coisa e de tanta gente. Mas respondi sem pestanejar: Minha filha Carolina.
A menina que nasceu 3 dias antes que eu completasse 23 anos, que dividia o quarto comigo e com sua mãe na casa dos seus avós;
que quando começou a andar escapava do berço por uma grade serrada que eu mesmo serrei e vinha se meter no meio de nossas cobertas;
que na piscina da Água Mineral sentou-se na parte rasa e, toda feliz, declarou: mamãe, aqui dá pé pra bunda;
que na mesma piscina, quando ia só comigo, no meio da semana, ficava mais de uma hora observando as brincadeiras das outras crianças e, quando começava a se entrosar já era hora de voltar pra casa mas mesmo assim não reclamava embora ficasse um pouquinho jururu;
que aos 4 anos e 8 meses exatamente acolheu tão bem o irmão recém-nascido;
que saia correndo, de braços abertos, pelo enorme corredor do prédio do novo apartamento, seguida pelo irmão, quando ouvia o assobio do pai ao chegar do trabalho, para abraçá-lo na metade do caminho;
que passou mais de uma semana cheia de febre da estomatite herpética, junto com o irmão, no colo da mãe, se alimentando só de água bebida numa colherinha de chá e foi ficando magrinha, junto com o irmão, até o dia em que ficou boa e voltou, junto com o irmão, a brincar e a comer com muita vontade;
que um dia ganhou um prêmio no colégio INEI por ter tirado o melhor conceito em todas as matérias;
que aos 10 anos, ao saber que seus pais decidiram pela separação apenas sorriu com uma lágrima nos olhos e pediu pra brincar na rua;
que quando o pai levou a nova namorada com seus dois filhos para dormir em casa, dizendo que ela não reparasse a esquisitice das crianças porque simplesmente elas estavam com ciúmes, completou com sua sinceridade desconcertante: "eu também"...
A adolescente que, chorosa, pediu pra deitar na cama ao lado do pai quando da primeira dificuldade com o primeiro namorado e adormeceu ouvindo versos de Mário Quintana;
que aos 15 anos começou a ganhar seu dinheirinho estagiando no Banco do Brasil sem descuidar dos estudos;
que aos 16 deu um jeito de voltar a morar com a mãe e não titubeou;
que completou o 3º ano do segundo grau em seis meses e em seguida passou no vestibular para medicina veterinária...
A jovem que se mudou com a mãe e o irmão para Fortaleza (CE) e lá se graduou no referido curso em 1997;
que tirou o mestrado defendendo tese de pesquisa científica em 1999;
A mulher que após tudo isso, voltou sua terra natal, e ingressou na Universidade de Brasília para cursar o doutorado;
que em 2001 morou em Washington, DC (EUA), junto com seu companheiro, o também professor PhD Ricardo Bentes de Azevedo, dando continuidade ao curso e à s pesquisas para sua tese;
que regressou e conquistou a vaga de professora substituta em 2003 na universidade onde se doutorou;
que deu aulas noturnas na Universidade JK em Taguatinga;
que posteriormente passou no concurso para professora efetiva ficando em segundo lugar apenas pela prova de títulos;
que em 2005 realizou a primeira experiência da universidade com a técnica de inseminação artificial em cães junto com a professora de Biologia Animal Cristiane Andrade Amorim;
que nesse mesmo ano foi chamada para tomar posse como professora titular;
e que agora, em 2008, foi indicada e eleita para membro afiliada da Academia Brasileira de Ciências;
que já publicou 40 artigos completos em periódicos;
que além disso, já orientou cinco dissertações de mestrado, 11 trabalhos de conclusão de graduação e sete de iniciação científica. Foi ganhadora do Prêmio UnB de Pesquisa 2006, na área de Ciências da Vida, um incentivo para os pesquisadores da universidade com até 10 anos de doutorado...
A pessoa humana que sem nunca deixar de curtir e aproveitar os prazeres da vida, sem nunca deixar de ser a solidária irmã de seu irmão, a boa amiga das filhas do seu marido Ricardo, a divertida sobrinha de suas tias, a prima legal de seus primos e primas, a querida filha de sua mãe e de seu pai, conquistou tudo isso e tanto me ensinou...
É essa filha amada quem lidera meu joguinho particular. E é dela que falo quando preciso orientar a caçula Cecília, de 7 anos, na direção do sucesso e da felicidade, dizendo: Mire-se no exemplo da sua irmã.
E, quem sabe?, em breve estarei repetindo esta frase (devidamente adaptada) para a neta Beatriz, para a (o) outra (o) que vem por aí e talvez mesmo para mais um (a) neto (a) que me venha a ser dado (a) futuramente pela própria Carolina.