Na época em que vivi na Casa do Brasil, em Paris, um domingo quando preparava meu modesto almocinho na cozinha comunitária, chegou um casal de africanos. Sozinha, nem prestei muita atenção neles, apenas notei que eram altos, bonitos e vestiam batas coloridas.
Coloquei a carne em uma panela, as batatas picadas em outra e fiquei de olhar perdido aguardando o cozimento. Enquanto isso, eles cortavam cebolas, lavavam verduras, abriam latas. Trabalhavam e falavam, patati patatá, na língua deles. Pareciam duas matracas. Eu, quieta, pensava na morte da bezerra e agora olhava distraída pela janela.
De repente, porém, comecei a perceber que mesmo de costas acompanhava a conversa. Pareceu-me que faziam comentários sobre um curso, sobre as dificuldades da vida na França...
Mas como era possível? Eu não conhecia aquela língua!
Encafifadíssima com minha inesperada e inusitada capacidade mental, certamente adormecida até então, resolvi decifrar o enigma. Quem sabe daí em diante poderia explorá-la melhor. Já pensou, compreender novas línguas sem ter que estudar? Poder entender o que russos, chineses ou gregos falassem, sem esforço algum?
Voltei-me de frente para os dois e apurei os ouvidos.
Foi então que descobri que eles conversavam em francês!
Só que a entonação era tão diferente, que eu jurava tratrar-se de outro idioma.