A FURNA
Entre as escarpas pontudas do altiplano sudoeste mineiro abertas pelas convulsões da natureza, a furna se esconde disfarçada na vegetação espessa. No seu fundo mais escuro, surdo e profundo, entre a mata emaranhada e fios d´água vagarosos, o silêncio de vidas caladas em impiedosa luta pela sobrevivência. Onde mesmo viceja a bromélia exuberante e se abre em cachos a orquídea feiticeira, a morte faz do mais fraco o pasto do mais forte ou mais feroz. No solo e acima dele a morada de nojentas e agressivas espécies como a saparia feia e visguenta, a mutuca fogosa, a formiga carnívora, a abelha brava, os escorpiões briguentos, as cobras cipó, verde, coral e milhares de vampirescos insetos voadores.
Abrigo seguro nem abaixo, nem na terra, nem na ramagem ou no mais alto das árvores retorcidas em galhos estendidos que buscam a luz alcançar. Em abraço fremente, o cipoal enrodilha-se nas árvores e entre elas, tecendo teia embaralhada, unindo a vegetação. Nem uma réstia de sol vara o inviolado teto das copas, tão apertadas como só uma fossem. A umidade densa, pegajosa, opressiva, quente o dia todo, persiste na friagem da noite escurecendo a furna, cobrindo-a de baixo a cima de espesso algodão acinzentado. Ali não fazem ninho as aves do dia. Nem sabiá, nem tico-tico, nem bem-te-vi... O João-de-barro passa ao alto; as rolas tímidas voam ao largo. Só os urubus ali encontram pouso e fazem ninho.
No chão, diante da serpente fria, o coelho assustado cede a vida, em soluços fracos, dolorosos, fascinado pelo olhar faiscante e fixidez que agulha o íntimo. Em volteios sensuais, tremendo a língua inquieta, a cobra arrasta-se lentamente, continuamente... Enrola-se no animalzinho indefeso, deita último olhar à presa e beija-lhe o rosto... Nenhum ruído se ouviu na furna.
José Eurípedes de Oliveira Ramos
Da Academia Francana de Letras
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