Sempre que vou ao (espaço para "merchandising" de supermercado) acabo comprando alguns abacaxis de um ambulante que trabalha em frente ao estabelecimento. Para demonstrar a excelência do produto ele diligentemente carrega um exemplar devidamente descascado e, faca na outra mão, vai oferecendo aos clientes potenciais, amostras de seu produto.
Os incautos que aceitam logo concluem que, de fato, o produto é bom, quero dizer doce, sem a acidez característica da nobre fruta, tantas vezes detratada, mercê da sua casca. A oferta se reveste de uma certa reverência ao cliente tentando passar a impressão de que tudo ali é de primeira qualidade, inclusive a higiene com que a amostra é tratada.
Infelizmente contudo, ao se examinar a faca vê-se logo que ela carece da aprovação de microbiologistas experimentados, principalmente quando se vê onde são guardadas. Da última vez eu, que não tenho o hábito de aceitar a prova, aceitei. Inajá, mais inteligente agradeceu educadamente. Foi quando me dei conta, mas já tinha aceitado. Tão logo o vendedor se afastou Inajá apressou-se em lembrar-me do que eu tinha feito, lembrando o seu microbiologista preferido, personagem habitual destes programas matinais como o da Ana Maria.
Certa de que entendi a observação, Inajá não ficou me atormentando. Nem precisava. Eu mesmo, com minha fértil imaginação, logo imaginei uma duzentas aplicações para a tal faca, além de cortar a amostra do abacaxi. A primeira foi a limpeza das unhas, tão necessária para quem fica ali exposto ao pó e ao sumo do abacaxi, ao dinheiro dos clientes e à s cascas de abacaxi. As outras cento e noventa e nove eu poupo ao leitor, na certeza de que sua imaginação é ainda mais fértil que a minha.
Bem, ao chegar em casa os abacaxis foram devidamente lavados reiteradas vezes e descascados, revelando sabor idêntico ao da amostra. Nisto, que fique claro, não há o que reclamar. Constata-se também, que a faca não altera o sabor, embora possa alterar a composição do abacaxi. Não sei se isto é bom. De um lado, falta o alerta que nos faria desistir. De outro, permite-nos ir em frente e aproveitar as delícias da fruta.
Não sei se a moral da história é que a amostra não mata ou de que não é preciso provar para comprar abacaxi bom ou ainda, a que prefiro, de que é melhor não olhar para a faca e muito menos onde a guardam.
Facas para provas de abacaxi são como certos restaurantes. Melhor não ver a cozinha. Melhor nem pensar na cozinha.