Esta nossa vida é boa, doce, e tem flores de quando em vez até.
O sentimento de falta parece coisa inerente à natureza humana. Falte alguma coisa, ou quase nada, ou ainda, nada falte, um tantinho falte, faz falta; e sentimos muita falta.
Da realidade que nos cerca alijados, supomos sofredores únicos nesta vida.
Um breve olhar em volta, e vemos o quanto erramos. Não somos sofredores, sofremos quase nada, ou nada.
Certo dia eu pude constatar, como sempre, de perto, mais uma vez, a miséria humana - o pior dos males -, o sofrimento de uma criança.
O próximo paciente a entrar no consultório - num desses hospitais que "prestam atendimento" Ã população desvalida -, uma pequena.
A menina, pelos dados pessoais registrados na ficha de atendimento, tinha mal completos quatorze anos de idade. Resoluta, entrou em busca de socorro, inda que a fácies de dor desmentisse o destemor estampado naquela carinha, em traje quase mínimo - uma sainha e uma pequena blusa de bordado que não escondiam a forma infantil em plena transmudação, traços de mulher que mal na vida lhe surgido vinham - era, uma inda menina, quase mulher. O semblante, todavia, era encantador - mui claramente mostrava a quem quer que a visse o que quer que era pureza, inocência, ou coisa angelical, um anjinho.
-Ah, vida miserável! Humanidade cruel e insensata. Aquele docinho carregava dentro, nas entranhas, o fel da desgraça humana, um mal de mulher adulta. Doía-lhe muito a enfermidade, e arrancava-lhe aos olhinhos infantis lágrimas secas; e um fluxo infecto lhe escorria do imaturo sexo.
Vinha, há pouco mais de dois meses, de uma união marginal, uma convivência ilegal. O outro, um inda infante, um quase adulto. Os dois incautos.
O meu espírito não tem, inda, explicação p´ra o que viu.
Aquele casal de anjos bem que deveria estar vivendo a brincar, e não brincando de viver, sofrendo.