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Cronicas-->Sem Ressentimento -- 02/08/2005 - 14:08 (Nezinho Costa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos

Eram já quase onze horas da noite, e a reunião havia chegado ao fim. Um fim em grande estilo pois, após mais de três horas de conversação, o dono da casa mandou servir cerveja, refrigerantes... e comida.

O silêncio compenetrado da reunião transformou-se, abruptamente, em balbúrdia.

Um tanto deslocado, e já com as pernas cansadas de tanto ficar de pé, procurei uma cadeira, onde assentei-me, aproveitando para ultimar os detalhes técnicos da pauta discutida.

Alguém ofereceu-me cerveja, que recusei polidamente, solicitando, contudo, algum refrigerante.

Com o passar do tempo, e desapercebidamente, minha atenção foi desviada para um senhor, sentado logo a minha frente.

Ele aparentava ter idade entre 55 e 60 anos, e trajava roupas humildes. Calçava botinas rústicas e usava um chapéu de maça, acinzentado, com uma tira bordada realçando o entorno da copa. Tinha, sobre as pernas, uma camisa de cor indefinível, um tanto esbranquiçada, de mangas compridas. Talvez - pensei - para proteger-se do frio.

O dono da casa, passando por ele, entregou-lhe um copo com cerveja, a qual ele sorveu avidamente, quase que de um só gole, ficando com o copo, vazio, na mão.

Ele estava incomodamente calado, eu percebera, desde que havia chegado. Seus olhos perdiam-se no vazio, alheios à confusão reinante no local, e seus ouvidos pareciam ignorar o barulho...

Mas o copo, vazio, permanecia firme em sua mão.

Observando-o esqueci-me dos afazeres, e aquele copo, vazio, em sua mão, começou a provocar-me indignação, já que as outras pessoas presentes receberam, cada uma, uma garrafa.

Ele recebera, apenas, um copo!

Inesperadamente seu mutismo foi quebrado, e eu me indignei mais ainda, quando passou por ele um outro homem, ostentando uma garrafa de cerveja, cheinha, ignorando seu copo, absurdamente vazio!

Aquele senhor, que até então permanecera calado e imóvel, debaixo do seu chapéu acinzentado de maça com uma tira bordada realçando o entorno da copa, calçando botinas rústicas, estendeu o copo, vazio, para o homem que passava com uma garrafa cheinha de cerveja, e pediu:

-- Põe um pouco prá mim...

O homem, que passava com a garrafa cheinha de cerveja, resmungou algo e afastou-se, ligeiro.

Aquele copo continuou vazio, só não mais firme na mão daquele senhor, agora envergonhado, retraído...

Mas eis que o dono da casa - acredito que ele presenciara a mesma cena que eu - aproximou-se trazendo-lhe uma garrafa, cheinha de cerveja!

Seu rosto iluminou-se num sorriso infantil, como o de uma criança que acabara de ganhar o presente que muito ansiara. Ele voltou-se para mim e ofereceu-me a garrafa de cerveja... aquela cerveja que lhe custara tanto ganhar... antes mesmo de encher o seu copo!

Me desconsertou!...

Recusei com um gesto e fiquei a observa-lo saboreando sua cerveja, vagarosamente, ao contrário do primeiro copo que fora bebido como se fosse água.

Ele bebeu toda a cerveja da garrafa, sob minha atenta supervisão.

Alheio a tudo e a todos aquele homem, humilde, devotou aquele seu tempo à cerveja que bebia.

Outra garrafa, cheinha de cerveja, foi-lhe entregue quando o dono da casa acercou-se de mim, servindo-me de refrigerante e assentando-se ao meu lado.

Puxando conversa comigo o dono da casa desviou minha atenção daquele senhor idoso, que calçava botinas rústicas e usava um chapéu de maça, acinzentado, com uma tira bordada realçando o entorno da copa, e que tinha sobre as pernas uma camisa de cor indefinível, um tanto esbranquiçada, de mangas compridas.

Me envolvi na conversa com o dono da casa e quando voltei-me aquele senhor não estava mais em minha frente.

Foi como se um alarme disparasse em minha mente, pondo-me imediatamente em alerta, buscando-o com os olhos por todos os lados.

Encontrei-o!

Ele estava sentado a uma mesa, dividindo sua segunda garrafa de cerveja com aquele homem que antes lhe negara um copo, um único copo, de cerveja.

E ele estava sorrindo... alegremente descontraído!



Esta crónica foi escrita no dia seguinte ao do que o fato, nela narrado, aconteceu.

Foi lida na Rádio Livre, no programa "Fragmentos de Uma Existência" por duas vezes, a pedido de ouvintes.
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