As reformas sempre trazem surpresas e são muito indicadas para quem gosta de aventura. Quem aprecia as apostas em geral também há de se divertir tentando acertar quando o caminhão com as madeiras chegará de Belém ou se a estimativa de gastos será ultrapassada em mais de 50 por cento.
Há o caso daquelas reformas em que se prevê a convivência pacífica entre os moradores, operários, gatos, cães, materiais que entram e materiais que saem. É fácil, basta planejar com critério e executar com atenção. Nestes casos, sendo necessária a demolição parcial, mínima, de uma parede e considerando-se que será por um prazo muito curto, não mais que uma semana, a solução é óbvia. Coloca-se uma parede falsa de madeirite. Do madeirite para dentro ficam os habitantes. Do madeirite para fora, ficam os operários em sua nobre tarefa. Melhor que isto, só se fosse verdade.
A vida com o madeirite, sem dúvida, é possível. Nossas favelas, bairros modestos, canteiros de obras, a casa de bonecas de Juliana e outras construções precárias estão aí a provar. Resistem à chuva, ao vento. Nem por isto se é obrigado a achar bom. O cheiro é suportável, depois que se adormece nem se nota. As frestas permitem uma boa ventilação e, com sorte, pode-se ter um ou outro raio de luar.
A primeira noite, se não chove, há de ser pitoresca. O luar, aquele ventinho gelado como na serra, convidando para um edredom adicional, um cálice de vinho a mais, quem sabe uma noite de amor favelado, fantasia antiga que a reforma torna possível. Fantasia é fantasia, se o casal gosta de reforma, por que reclamar da fantasia? A segunda noite é suportável. Basta tirar o pó, tapar as frestas com um papelão e com dois ou três goles de uma boa cachaça, nem se nota que a falsa parede está quase desabando, mercê das atividades diurnas, e que o filho mais novo tosse. Se o cachorro insistir em participar da festa, deixe. Cachorros esquentam.
A terceira noite é realmente uma beleza, uma alegria. A terceira noite, invariavelmente é passada em um bom hotel ou no aconchego da casa de amigos que não estão fazendo reformas. E não há nada como o aconchego da casa dos amigos.
Talvez o Hilton em Honolulu, mas todos concordaram em adiar as viagens para viabilizar a reforma.
Escrito em 13.09.2000
Publicado na Crónica do Fauth em 02.11.2000 (http://planeta.terra.com.br/arte/fauth/)