001 = 6ª. feira - 17 de Junho
 
 
A fingir de criaturas
 
Em pestilentas miasmas
 
Andam praí uns fantasmas
 
À borda das sepulturas
 
Semeando amarguras
 
Sobre a triste solidão
 
Daqueles que em comunhão
 
Só querem enluarar
 
Sua existência e lograr
 
Alguma consolação...
 
 
002 = Sábado - 18 de Junho
 
 
Às vezes na confusão
 
Num lance desprevenido
 
Até se esquece o sentido
 
Perdendo-se a direcção
 
No meio do arrastão
 
Que assola pra morder
 
O nosso calmo viver
 
E a gente que não é
 
Por condição de má fé
 
Num segundo passa a ser...
 
 
003 = Domingo - 19 de Junho
 
 
Por isso mesmo a meu ver
 
Segundo antigo dito
 
Eu sinto e acredito
 
Que se aprende até morrer
 
Embora para valer
 
O efeito que se aprende
 
Nem sempre deveras rende
 
Quanto dele se espera
 
Porque a vida é uma megera
 
Casada com um duende...
 
 
004 = 2ª. Feira - 20 de Junho
 
 
Se tudo que me ofende
 
Só em palavras saísse
 
Quiçá a ofensa servisse,
 
A quem não me compreende
 
Ou finge que desentende
 
Só pra criar confusão,
 
De varinha de condão
 
Azada e profiláctica
 
Que evitasse na prática
 
Os actos sem remissão...
 
 
005 = 3ª. Feira - 21 de Junho
 
 
Sol bonito d  estadão
 
Há pombas em meu telhado
 
Arrulhando um melopado
 
Prazer d anunciação:
 
Vem aí o São João
 
E a rusga está preparada
 
Na codícia da noitada
 
Mais bela deste meu Porto
 
Que desata o ponto morto
 
Pra bem viver sem mais nada...
 
 
006 = 4ª. Feira - 22 de Junho
 
 
Levemente perfumada
 
A brisa de manjerico
 
Já inspira o mafarrico
 
Do povo em grande levada
 
Que de alho à martelada
 
Faz a batalha campal
 
Do mais lindo festival
 
Que conheço em singeleza
 
Entre a multidão acesa
 
De paz em "guerra" total...
 
 
007 = 5ª. Feira - 23 de Junho
 
 
Há algo de Carnaval
 
Mas a festa é mais calma
 
Como se o corpo e a alma
 
Tivessem data formal
 
Para no ponto ideal
 
Demonstrarem lado a lado
 
Que são um par bem casado
 
Ao longo da madrugada
 
Com toda a gente enlaçada
 
No élan do mesmo fado...
 
 
008 = 6ª. Feira - 24 de Junho
 
 
Hoje no Porto é feriado
 
Porque é dia da eleição
 
Que outorga a São João
 
Sempre em voto renovado
 
O seu trono abençoado
 
Na invicta cascata
 
Desde a casinha de lata
 
Ao mais rico edifício
 
Onde por amor de ofício
 
O santinho tão bem trata...
 
 
009 = Sábado - 25 de Junho
 
 
Manhãzinha se destapa
 
A sombra da decepção
 
Nas folhas mortas no chão
 
Enquanto um gato se cata
 
À espera de uma gata
 
Que sonda uma saída
 
Na cidade adormecida
 
A acordar devagarinho
 
Para no mesmo caminho
 
Se atirar de novo à vida...
 
 
010 = Domingo - 26 de Junho
 
 
O Verão em brasa suicida
 
Incendeia a floresta
 
Queimando o verde que resta
 
Da paisagem florida
 
Entre a água poluída
 
Que a seca escasseia
 
De aldeia em aldeia
 
Onde as fontes naturais
 
Exangues não podem mais
 
Com a humana alcateia...
 
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  011 = 2ª. Feira - 27 de Junho
 
 
À crise que mais se enfeia
 
Responde a greve ao trabalho
 
Embaraçando o baralho
 
Que o Governo manuseia
 
Para os ricos à mão-cheia
 
Prós pobres de mão fechada
 
O suor não vale nada
 
Porque os que mais protestam
 
E em praça se manifestam
 
Vão de pança bem inchada...
 
 
012 = 3ª. Feira - 28 de Junho
 
 
Os profetas de bancada
 
Agitam o alarido
 
Sobre o sério que é bandido
 
E por irónica piada
 
Aos ladrões não fazem nada
 
Enquanto o povo benquisto
 
Como sempre anda de cristo
 
Arrastando sua cruz
 
Cuja esperança de ter luz
 
Morre sem nunca a ter visto...
 
 
013 = 4ª. Feira - 29 de Junho
 
 
Há trinta anos vão nisto
 
Os cegos de olhos abertos
 
Imbecis fingindo espertos
 
Onde surge o homem misto
 
Reclamando o sinistro
 
Direito de engravidar
 
E por isso quer casar
 
Com o leal companheiro
 
Que trabalha de coveiro
 
Pra na morte o enterrar...
 
 
014 = 5ª. Feira - 30 de Junho
 
 
E nada é de admirar
 
Porque em desvios da porra
 
Também Sodoma e Gomorra
 
Deram ao mundo que falar
 
Para exemplo milenar
 
Como aliás em relato
 
A Bíblia mostra o retrato
 
Da grande devassidão
 
Que a título de evolução
 
Repete o desiderato...
 
 
015 = 6ª. Feira - 1 de Julho
 
 
Porque almejo ser cordato
 
E sobretudo ordeiro
 
No papel de usineiro
 
O mais possível sensato
 
Com humildade acato
 
O cariz de cada qual
 
Já que na vida afinal
 
As coisas são como são
 
Com razão ou sem razão
 
Quer por bem ou quer por mal...
 
 
016 = Sábado - 2 de Julho
 
 
Por feitio sou frontal
 
Para não ter de viver
 
Com a alma a remoer
 
Feita orgão visceral
 
Pois sei bem quanto é letal
 
Dar ao ego o tormento
 
Da maldade em sentimento
 
E assim alimentar
 
A sede de me vingar
 
Se abomino tal intento...
 
 
017 = Domingo - 3 de Julho
 
 
Cultivo o pensamento
 
Que após a experiência
 
Se impõe à inteligência
 
Em livre comedimento
 
E daí faz o fermento
 
Que leveda com apuro
 
O pão firme e seguro
 
Que a humanidade come
 
Para saciar a fome
 
Sem ter medo do futuro...
 
 
018 = 2ª. Feira - 4 de Julho
 
 
Desde qu  inventou o muro
 
O ser humano traçou
 
O destino que o levou
 
Ao desastre tão impuro
 
Onde hoje vive inseguro
 
Fechado na liberdade
 
Em permanente maldade
 
Forjada no preconceito
 
Que lhe apaga no peito
 
A luz da humanidade...
 
 
019 = 3ª. Feira - 5 de Julho
 
 
Face à única verdade
 
Que a vida tem pra nos dar
 
Deveremos encarar
 
Com firme serenidade
 
A trágica realidade
 
Dos que deixam de viver
 
Porque afinal morrer
 
É exactamente igual
 
Ao vazio incondicional
 
Que ninguém pode saber...
 
 
020 = 4ª. Feira - 6 de Julho
 
 
O que se possa dizer
 
D aquém ou d´além da vida
 
É uma mentira parecida
 
À daquele que quer crer
 
Na existência do ser
 
Segundo Deus e persiste
 
Em tristeza mais que triste
 
Cegamente a acreditar
 
Que há-de ter um lugar
 
Onde nem o nada existe...
 
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  021 = 5ª. Feira - 7 de Julho
 
 
Todavia não desiste
 
E mesmo de boa fé
 
Continua a ser quem é
 
Sofre imenso mas resiste
 
Como um Cristo que assiste
 
À tremenda podridão
 
Dos que se evocam em vão
 
De Deus em cada segundo
 
E impõem a paz ao mundo
 
Só à força de canhão...
 
 
022 = 6ª. Feira - 8 de Julho
 
 
Temente e sano cristão
 
Cumpriu estreito o dever
 
Empenhando-se a valer
 
Na difícil construção
 
Dum lar pra dar geração
 
Ao futuro com vigor
 
E casou por puro amor
 
Com bem prendada donzela
 
Humilde mas muito bela
 
Mulher de asseio a primor...
 
 
023 = Sábado - 9 de Julho
 
 
Hoje no banco da dor
 
Na solidão sem adornos
 
Seguro ao par de cornos
 
Que herdou do desamor
 
Era capaz de repor
 
De novo a felicidade
 
Perdoando a maldade
 
À sua querida Maria
 
Que ataca noite e dia
 
Nas esquinas da cidade...
 
 
024 = Domingo - 10 de Julho
 
 
Quem fez a moralidade
 
Esqueceu-se de prever
 
Que o ser só pode ser
 
Se puder ser à vontade
 
E usar a liberdade
 
Da condição animal
 
Como usam tal e qual
 
Todos os seres deste mundo
 
Sem sujeição ao imundo
 
Parecer do bem e do mal...
 
 
025 = 2ª. Feira - 11 de Julho
 
 
Subtilmente fulcral
 
Shakespeare sabia então
 
Qual era a suma  questão
 
Que se punha desigual
 
A cada ser natural
 
Que nascia pra usar
 
O mesmo exacto lugar
 
Que é a vida, meus senhores
 
Ilustres sábios, doutores
 
Das leis deste lupanar...
 
 
026 = 3ª. Feira - 12 Julho
 
 
Ora assim, pra bem estar
 
Obedeço cegamente
 
A um odre a fingir gente
 
E eu finjo pra simular
 
Que agradeço o lugar
 
D especial confiança
 
Onde masturbo a vingança
 
Dia e noite, noite e dia
 
À espera d a aleluia
 
Pró meu punhal d esperança...
 
 
027 = 4ª. Feira - 13 de Julho
 
 
Esta lengalenga cansa
 
E agora só me lamento
 
No tardio pensamento
 
Que retirei da balança
 
Já que meu ceguinho avança
 
Com cuidada precisão
 
Sendo ao mesmo tempo cão
 
No mais perfeito conjunto
 
Mudando logo de assunto
 
Ou de falsa direcção...
 
 
028 = 5ª. Feira - 14 de Julho
 
 
Adrego inteira a noção
 
Da suprema crueldade
 
Dos títeres da inverdade
 
Plena de corrupção
 
Que sustenta a ambição
 
À qual frontal me oponho
 
Com quanto de mim disponho
 
Sem um momento hesitar
 
E permanente a lutar
 
De corpo e alma me exponnho...
 
 
029 = 6ª. Feira - 15 de Julho 
 
 
Quanto se extraia do sonho
 
Prá crua realidade
 
A par do oásis cabe
 
O deserto mais medonho
 
Sempre que a sonhar me ponho
 
A dormir ou acordado
 
Qualquer sonho alcançado
 
Tem infalível reverso
 
Tal e qual o universo
 
Escuro ou estrelado...
 
 
030 = Sábado - 16 de Julho
 
 
O êxtase do amor logrado
 
O ódio do desamor
 
A maravilha da dor
 
A tortura do forçado
 
O imbróglio tresloucado
 
Das impossíveis paixões
 
No jogo das ambições
 
Por delirante prazer
 
Acabam a derreter
 
Em sofridas penações...
 
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