Domingo não vou à missa,
Deus queira me perdoar,
Por não ter roupa bonita
Não poso me apresentar.
Então vou tomar cachaça
O dia inteiro no bar,
Mas eu tenho devoção
E não deixo de rezar;
Do meu modo eu busco a luz,
A garrafa é minha cruz
E o balcão é meu altar.
Minha bíblia é o baralho,
Onde a escritura se traça,
O cigarro é o incenso
Para expelir a fumaça.
A hóstia é um salgadinho
Que na minha goela passa,
O copo é a galheta
Que eu uso como taça,
O vinho é aguardente
Que me deixa muito quente,
Mas também cheio de graça.
Também faço meu sermão,
Discursando aos companheiros,
Falo da vida e da morte
E de amores traiçoeiros.
Os marginais eu condeno
E absolvo os justiceiros,
Mato o bicho e mostro o pau,
Mas não ataco os bicheiros,
Defendendo o que é direito,
Eu escuto satisfeito
O amém dos cachaceiros.
Quando a polícia chega
E pára na frente minha,
Nesse ponto da oração
Já perdi o fio da linha.
Digo então que o boteco
É a nossa capelinha,
Peço um pouco de silêncio
Pra rezar a ladainha,
Falando em altos brados,
Eu afirmo que os soldados
Cada um é um coroinha.
A polícia não quer graça
E acaba com minha ceia,
Levantando a garrafa,
Eu danço uma volta e meia.
Rezo ao Pai Oxalá,
Mas caio e rolo na areia,
Levanto trocando as pernas
Igual um porco na peia
E, algemado num rosário,
Vou para o confessionário
Lá nas grades da cadeia.