ARDER EM TRANCELIM Uma doidivanas qualquer, formatada pelas vicissitudes da condição prevalecente, alforreca amarelecida em charco poluído, culpa de ninguém e tão só produto hodierno de uma humanidade cansada, se é ou não é Milene Arder, tenha o nome que tiver e faça o que fizer, para o caso não interessa e a opinião que esboço pertence-me por inteiro. Todavia altura houve em que constituiu referência influente na maior parte dos versos que concebi na Usina de Letras, enquanto outros usuários então perpassavam pelas mesmíssimas intempéries vocabulares e expedientes de esconso esgoto que agora também se me deparam, o que não invalida ou evita a exposição do belo a que deu azo, dando lugar a uma nova clareira após algumas rectificações e acréscimos. É assim de resto, através da repesca de memórias, que se faz literatura... De e em cordel !... Por musa te elegi e foste tu  A fonte donde bebi a inspiração  Que me inundou de lúcida ilusão  Com que me despi total nu e cru  Se para alguém foi ínvio tabu  O sonho que almejou a realidade  Também o motejado sururu  Foi o tabu da ínvia invejidade.  Não quiseste evitar a maldade  Das palavras fingindo-se em defesa  Dos frutos expostos sobre a mesa  Na ânsia de comê-los à vontade  Pactuaste perversa na falsidade  Do verbo repassado de traição  Coberto pela capa da bondade  De punhal na língua em palavrão.  Nas costas dos conselhos o refrão  Para te afastar da aura de outrem  Nem deles a sombra que provem  Lhes escondeu a torpe condição  Encabestrados títeres da razão  Persuadidos de por eles estares cega  Pretenderam impor-te a decisão  Que a cego algum se nega e renega.  Espertos jogadores de cabra-cega  Quando enfim nos viram desgarrados  Descobri que estavam desvendados  Pra lograr em fraude nossa entrega  Melhor... É bem melhor esta refrega  Onde me acendo real até ao fim...  Eles dão-se de cordel em cega-rega  E eu dou-me a arder em trancelim! Torre da Guia   |