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Contos-->SUSPIROS -- 07/11/2000 - 22:29 (Marcelina M. Morschel) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Todos os dias era o mesmo caminho, o mesmo boteco. Aquele com vidros embaçados, lambuzados por dentro e por fora. Sinais de mãos sujas, dedos de crianças. Balcão de madeira com potes cheios de balas, chupetas, chicletes. Dependurado num arame que passava por cima, lembrando bandeirinha de São João, havia tudo o que se podia imaginar. Mais ao fundo, a grande prateleira com as bebidas. Moscas sobrevoavam. Vôos rasantes, decolagem em seguida. Bolos e tortas, vendidos aos pedaços, ficavam expostos em cima do balcão. Os quindins amarelos pareciam irmãos gêmeos do sol. Brilhavam! A criançada entrava, dedo na boca, olho aberto direcionado para a vitrine dos doces. Os dedos suados passavam no vidro. Forma de carinho, de posse. A vontade fazia salivar. Andavam de cá e de lá, olhando, olhando.

A dona do boteco já estava acostumada com aquele vai-e-vem de crianças. Elas comiam com os olhos e depois saíam correndo. Apenas uma menina ficava. Cabelos encaracolados, magricela, permanecia extasiada, suspirando pelos suspiros. Parecia absorta. Barriga para frente, cabeça torta, olhos virados e dedo no vidro, apontando, rodando sempre no mesmo lugar. Eram os suspiros com bolinhas de todas as cores. Seu dedinho miúdo ia do verde para o amarelo, depois para o rosa. O tempo passava, ela a olhar. Do canto de seus lábios bem feitos, a saliva escorria. Passava a mão esquerda e enxugava. Sorria e ficava de cócoras admirando mais de perto. Depois, como que acordando de um sonho, balançava o corpo e saía.

Na rua, ia pisando no calçamento sem encostar o pé nas emendas. Era seu jogo solitário. O caderno caía. Mais do que depressa o pegava, sacudia a poeira e o segurava contra o peito. Se o perdesse, era surra na certa. Às vezes sentava no chão e brincava com as pedrinhas. Eram esmeraldas, rubis, nomes que aprendera na escola. Levava algumas para casa; brincava à noite com elas quando não tinha sono ou então as punha na boca, fazendo de conta que eram balas. Até parecia que tinha gosto mesmo. Mas, o que mais queria era comer um daqueles suspiros coloridos cheios de bolinhas. Precisava arranjar dinheiro. Sua cabecinha não conseguia pensar um jeito de consegui-lo. Não podia sair de casa sem falar para onde ia. Faltar na escola, seria difícil. Mas o caminho devia ser este. Dar um jeito de não ir à escola. No dia seguinte, pegou os cadernos e saiu. Foi direto para o boteco.

- Dona, a senhora precisa de alguém para fazer algum serviço, hoje?

- Precisar, eu preciso, mas não de criança.

- Eu sei varrer muito bem e lavar também.

- E quanto você quer para varrer o boteco, a casa e o quintal?

A menina pôs os cinco dedos na boca e, sorrindo desajeitada, apontou para os suspiros.

- O quê? Quer os doces da vitrine?

- Quero só o suspiro, dona.


A mulher espantada, suspirou fundo, passou o avental no rosto, abriu a vitrine, tirou a bandeja de suspiros e disse:

- Pode escolher.

A menina, com a mão esquerda quase inteira na boca, babando de alegria, olhos esbugalhados, apontou para o suspiro cor-de-rosa.



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