Com a minha mãozita em pleno exercício, ainda não tinha nem poderia ter capacidade racional para avaliar o maravilhoso entretenimento que meu primo António, dez anos mais velho do que eu, se afadigou a conseguir para mim.
Ia pelos sete anos e estava então a sentir-me maquinista ferroviário, puxando, através de um cordel amarelo, um combóio constituído por quatro latas vazias, daquelas que tinham servido para conservar sardinhas, engatadas umas às outras por pedacinhos seccionados do cordel que sustentava na minha mãozita. Paf... Paf... Paf... E lá andava eu todo contente armado em condutor de combóios a sério.

Assim que me apercebi que estava sozinho, abandonei a absorta brincadeira e dirigi-me para a entrada da enorme cozinha. Passava pelo pátio quando me surgiram no ouvido uns estranhos ais. Afinei o pensamento e fui pé ante pé espreitar o que estaria a acontecer. Ena, santinhos, o meu primo estava em cima da Margarida, que esperneava como uma cabrita e ao mesmo tempo gemia: ai, ai, ai...
Em face da cena o meu rosto tomou-se de brusco incêndio e regressei de respiração suspensa ao jardim para voltar à minha função de máquinista fingidor. Paf... Paf... Paf...
Ao cabo de 57 anos, meu primo, que felizmente está saudavelmente rijo, sequer imagina quanto bem entendo os maravilhosos entretenimentos que me proporcionou.
Apre... Como gostava de deitar fora uma coisa que me faz rigorosamente tanta falta: os meus olhos. Para que preciso eu deles se continuo a ver aquele combóio de quatro latas puxadas por um cordel amarelo?... Paf... Paf... Paf... E a Margarida a espernar: ai, ai, ai...
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