A mãe chorava e ele sorria.
Quando acordou há 3 anos atrás Vincent pensou que estava morto. E estava. Morto numa cama de hospital. Os olhos já não enxergavam, a voz já não falava, o corpo não respondia. Ouvia as vozes familiares. Distantes. Pensou que estava morto. E estava.
Mexia o polegar da mão direita, esse era o seu único contato com o mundo dos vivos. Ele era o cadáver da pior morte. Daquela melindrosa, que conserva a consciência e leva o corpo.
Já não sentia dor. Era inanimado, preso na carne de apenas 22 anos, na carne nova e morta. Mudo, cego e tetraplégico.
Durante algum tempo, pouco tempo, Vincent conservou a esperança de viver. Os apelos dos familiares, amigos e ate dos desconhecidos solidários, lhe deram esperança de voltar. Com o polegar respondeu, com toques fortes nas mãos que o conduziam. Queria viver.
Mas logo lhe decretaram a morte. Não havia chance. Sobrou-lhe a perspectiva de uma vida vegetal, viveria através do seu polegar e ouvidos. A mãe lhe segurava a mão e lhe indagava as necessidades. Um aperto do polegar significava sim, dois significava não.
Assim passaram-se 3 anos, Vincent no seu lar, seu corpo jovem e sem vida, fechado no seu mundo de morto. A cama do hospital sempre cercada de pessoas que lhe seguravam a mão ainda viva, na certeza de sentirem o toque daquele polegar, na busca da certeza diária de que ele ainda vivia. Apenas Vincent sabia que não. Sabia que morrera há 3 anos, numa curva.
Para Vincent o pior eram os sonhos da vida que perdera. Nos seus sonhos via-se feliz e vibrante, rei do seu próprio corpo. Via-se caminhando na sua casa, no seu quarto, leve. Sonhava com o que tinha vivido, coisas pequenas que agora lhe eram impossíveis de realizar. Não queria adormecer, mas mesmo acordado e trancado na sua escuridão Vincent se via. Jovem e vivo.
Agradeceu a Deus pelas lembranças que lhe doíam. Agradeceu não poder ver o seu atual estado. Lembrar-se vivo era só o que lhe restava.
Numa noite de lagrimas, como tantas, sozinha e segurando a mão do filho ela lhe perguntou:
-- Filho, você quer morrer ?
O que lhe segurava ali? Para quem ele agonizava? O que lhe reservara a vida senão a agonia de permanecer morto em vida? Todas essas questões já variam a mente de Vincent a muito. A pergunta que ouvira da mãe era aguardada com ansiedade por ele. O desejo de concluir a sua morte era imenso. Sonhava em morrer por completo e ser ver livre daquela carne que o prendia a vida. A mãe já sabia da resposta antes de sentir o único e ultimo toque do polegar do filho.
Sentiu a mão da mãe lhe escapar e aguardou. Não sentiu a agulha lhe furar a pele morta, mas sorriu.
Sorriu enquanto a mãe chorava.