Quatro da madrugada.
Eu estava na estrada, indo ou vindo de algum lugar.
À minha volta, o ermo, a escuridão.
Somente a sinfonia de sapos e grilos alcançava meus ouvidos.
Um ou outro poste derramava luz alaranjada esparsamente pelo caminho.
Eu seguia firme, sem nada mais para pensar senão na manhã que logo chegaria.
Quando percebi que a festa de insetos e anfíbios silenciara repentinamente, desconfiei que algo não estava certo.
Apressei o passo, pressentindo que algo fora do normal estava por acontecer.
Meu pensamento agora varria as lendas que conheci quando criança.
Mulas-sem-cabeça, caipora, sacis e outros seres do imaginário popular circundavam minha mente, porém meu racionalismo as espantava para os mais profundos rincões do meu cérebro.
Continuei caminhando, com passos mais apressados, quando comecei a sentir calafrios e sensações de medo.
Ao mesmo tempo, pensamentos violentos invadiam minha mente, e eu via a todo o momento corpos humanos e animais mortos, dilacerados e sanguinolentos, sentia medo, fúria, terror, ira e muita dor.
Cambaleava pela estrada, até amparar-me numa árvore. Senti vontade de vomitar, pois as visões e sensações terríveis não findavam.
Ao ver o primeiro raio da aurora despontar no horizonte, lembrei-me de orar ao Nosso Senhor Jesus Cristo, pedindo ajuda e proteção contra o mal.
Em poucos instantes recuperei minhas forças e toda aquela agonia que me dominara desapareceu por completo.
O dia já amanhecia e as trevas da noite se dissipavam, mas tudo ainda era penumbra. Percorri mais alguns metros, até que deparei com um homem, vestido como um trabalhador rural. Ele se aproximou de mim e me falou bem assim:
- Bom dia moço, passou por mau bocado não foi mesmo? Mas agora é hora do senhor ir embora, pois nessa estrada vivia um lobisomem, e todo mundo que passa por aqui de madrugada, sente a alma do maldito querer se apoderar de seus corpos.
- Olha homem, disse-lhe eu, não sei o que me aconteceu, mas não acredito muito nessas crendices.
- Não carece do senhor acreditar para que elas existam. Eu falo com conhecimento, porque fui eu quem matou o tal lobisomem, mas só matei o corpo, pois a alma amaldiçoada daquele filho do demo continua por aqui perturbando e procurando alguém fraco para matar para ele.
Eu o olhava meio cético, afinal, o que eu senti foi bastante terrível para descartar qualquer explicação, fosse absurda como fosse.
- Eu lutei com o demônio e consegui vencer, continuou ele, mas tive que pagar meu preço também. Ele abocanhou boa parte de minha barriga, deixando um buracão, que não teve jeito, eu morri também. Quer ver?
Nisso eu já estava ficando preocupado, quando ele levantou a camisa e me mostrou uma ferida imensa no abdômen. Os órgãos internos foram arrancados, como que abocanhados por uma fera. O medo me fez correr desembestado pela estrada, enquanto ele falava que ali permanecera para ajudar os desavisados que cruzassem aquela estrada e se deparassem com a vibração do lobisomem. Era como um guardião da estrada, em luta perpétua contra a força maligna do lobisomem.
Depois de correr alguns metros, virei-me e percebi que o tal homem havia desaparecido, juntamente com a penumbra da aurora que cedera de vez seu lugar para a luz radiante do sol.
Depois desse dia, nunca mais atravessei aquela estrada depois que escurecia.