Lembro-me, no detalhe, de sua aparência física. Um porte alto e esguio o qual, na minha infância, se me afigurava como o de um gigante. Um gigante tão grande quanto bom.
Nunca soube se seus cabelos eram bonitos ou feios porque nunca os vi crescidos. Sei apenas que emolduravam seu rosto como se fossem uma marca pessoal a realçar a luminosidade de seu semblante. Sempre foram cortados à escovinha como que para lembrarem que ali estava um soldado, nos sentidos mais puros da palavra, ou seja, da bravura, da força, da disciplina, da energia, do vigor e do respeito. Um elenco de qualidades que prevaleceram até o momento imediatamente anterior ao seu suspiro derradeiro.
Seu rosto era bonito. Uma beleza máscula. Suas faces e sua boca mesmo recortadas por cicatrizes impostas por um grave acidente de trabalho e pela inclemência do tempo, guardavam traços de muita harmonia realçada pelos olhos negros, vivos, mansos e brilhantes.
Sua voz grave conseguia ser a um só tempo forte e dócil, com a propriedade rara de transmitir segurança e convicção.
Foi, ao mesmo tempo espirituoso, alegre e austero. Nunca esboçou um esgar sequer que denotasse sentimentos menores como os de rancor ou de ódio. Jamais ouvi de sua boca quaisquer comentários desairosos ou maldosos sobre quem quer que seja.
Não era de sorriso muito fácil. Porém, quando sorria era a mais explícita expressão da franqueza e da sinceridade.
No trato com as crianças, dentre as quais eu me incluo (já fui criança um dia), era singularmente criativo. Arquitetava mimos surpreendentes. Enchia, com dinheiro miúdo, os bolsos do menino que queria ser rico, provocava uma chuva de balas e pirulitos nas rodas de garotos da vizinhança, alugava um taxi apenas para passear com aquele que gostava de carro. Tinha, portanto, sempre o agrado certo para a criança certa. Era perceptível sua preferência para os mais fracos, os menorzinhos e os adoentados.
Sua generosidade era uma virtude a parte. Impressionavam-me sua disposição e disponibilidade para ajudar seus amigos, bem como a ternura com que os tratava, notadamente os mais humildes e necessitados.