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Contos-->Diário de um Louco - Texto Completo -- 21/03/2003 - 12:26 (Robison Stemberg) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Espero que meu diário algum dia seja encontrado aqui no sótão desse manicômio. É com essa esperança que escrevo. Vim para cá faz cinco anos. Chovia. Era vir ou ficar encarcerado com bandidos perigos, na filial do fim dos tempos chamada prisão. Aqui pelo menos o cheiro de urina é só meu.
Nunca fui louco. Nunca comi merda, nunca rasguei dinheiro. Acho que fui internado devido ao meu silêncio.Quem cala consente! Eu sempre soube que minha timidez iria ser entendida como orgulho um dia e me atrapalharia. Aqui dentro, cada ato meu foi contribuindo para a má fama do meu juízo. Se eu não queria tomar banho na água fria, ah! que insanidade. Se não queria comer meu farto banquete azedo, ah! que doido. Mas acho mesmo que sou meio estranho. Mas nunca fui louco. A culpa é do amor que me ardeu uma vez sem me queimar. A culpa toda é daquele auréo coração enferujado de pedra, daquele corpo mutilado, daquele sangue em minhas mãos.

Um padre de vez em quando vem nos visitar. É bom saber que Deus está sempre ao meu lado. Isso ajuda-me a sentir um pouco menos solitário. Às vezes rezo escondido no escuro, baixinho. Não sei se Deus escuta, mas pelo menos fico livre dos castigos do enfermeiro, que gosta de silêncio para poder dormir. O padre certa vez me disse que eu não deveria pensar em Deus, pois só de pensar, eu já estaria pecando. Aqui dentro eu não quero pecar. Espero que meu passado tenha ficado no outro lado do muro e que, um dia, eu volte a sentir a hóstia sagrada derretendo-se na minha língua. Mas não estou aqui nem para ter esperanças e nem pensar, estou aqui para ser louco.

Aqui dentro eu penso bastante na morte. Não há muita coisa para se fazer mesmo. De vez em quando eu ouço a sirene da ambulânçia que veio pegar algum defunto. Mas as pessoas morrem aos pouco por aqui. Vagam por esses corredores sujos e dementes, vinte, trinta anos até que finalmente, alcancem a liberdade na paraíso eterno. Uma vez um psquiatra disse-me que eu tinha fixação pela morte. Concordei, e lhe disse: _ Prefiro morrer de uma vez a ficar dentro nessa canoa no sobe-desce do rio. Nem ele nem eu entendemos nada.

Quatro noites perdidas! Do quê adiantaria eu perder minhas horas de sono, escrevendo no escuro, em silêncio, se nada disso valesse a pena. Do que resolveria se este meu diário fosse achado se quem o encontrasse não soubesse quem o escreveu. Não, isso não. Meu nome é Gregório de Augusto Campos; acho que tenho quarenta e cinco anos. Por algum tempo fui professor de inglês numa escola particular do Rio de Janeiro. Casado. sem filhos. Tudo ia bem até que descobri que minha mulher tinha um caso. Eu conhecia o sujeito, mas matei só minha esposa. Por eu ter usado de requintes de crueldade realmente cruéis e por poder pagar um bom advogado, fui considerado "fora de minhas faculdades mentais" e consegui vir para esse manicômio judiciário depois de condenado pelas leis dos homens. Enfim, coisas.

Antes de tudo gostaria de pedir desculpas por enganar vocês. Nunca eu poderia chamar essa escrita rudimentar de "diário". Eu não escrevo todo dia. Eu não relato o que acontece no meu brúmeo quotidiano. Desculpem-me. Apesar que acho que vocês devem supor como é o dia de um interno manicominial: ser acordado sem muito carinho, tomar um fartíssimo café da manhã de fome, um pouco de banho de sol através da grade, aproveitar o banquete sagrado e quase azedo, um pouco de televisão, dormir, comer, dormir. Eu converso pouco com os loucos de verdade. Não que eles não tenham coisas interessantes para falar, muito pelo contrário. Elas dariam assunto para eu consumir todas as folhas restantes do meu caderno. Por falar no caderno, foi minha mãe quem trouxe, na única vez que ela veio me visitar. Logo depois ela morreu. Meu pai eu nunca conheci; e minha mãe nunca falou sobre ele. Não tenho irmãos e nenhum outro parente. Só não digo que estou sozinho no mundo pois eu sei que Deus e a Morte estão em todo lugar.

Nunca aquele dia me esqueceu. Sinais de trânsito, o choro do bebê, pássaros pousando nos fios elétricos, trens desgovernados na contra-mão, o veio de lava sem vulcão. Ectoplasma e epiderme; gravuras arranhadas, arranhaduras pelo chão. O Diabo e sua igreja: soldados armados e as tropas de choque; elétrico. Mobília, carceragem, engrenagem, sacanagem. A flôr e a mariposa. Cães de aluguel. O direito de permanecer calado. Não vamos te machucar. Posso dar um telefonema? Por que os gritos? É real o nevoeiro? Alea jacta est! Adeus? Hey!! E o futuro, a quem pertence?

Escrevo para me despedir; eu estou perdendo noites de sono demais preciosas. Noites de sono que me poderiam trazer sonhos incrivelmente deliciosos. Sonhos que teriam como cenário qualquer lugar, menos aqui onde estou. A realidade é pior que qualquer pesadelo. Por isso vou abandonar esse meu "diário". Só por isso? Não, não é só por isso. Quero guardar as folhas que me restam desse velho caderno para escrever cartas de amor a uma mulher que eu nunca conheci e nunca amei. Não quero ser um escravo do Destino; não quero ser um prisioneiro do Tempo; e acima de tudo, não quero que tristeza que tanto machuca e faz sangrar, manche as lembranças que eu tenho da vida. Adeus.
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