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Contos-->Sacrifício. -- 16/03/2003 - 15:36 (Fleide Wilian R. Alves) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Sorrateiramente, como um gato, ele se aproximou como sempre o fazia. Com a cauda conectada ao corpo como um espanador ligado à mão de uma servil, ele veio, alegre e brincalhão. O cão deu várias meias-voltas em mim, saltitando, latindo, grunindo e fungando. Era um belo cão vira-latas que sempre fugia do vizinho para brincar comigo depois do almoço no refeitório da fábrica. Eu nunca o instiguei à fuga, na verdade sempre fui taciturno, calado e por várias vezes o afugentei. Sem ser preciso do uso de lançamento de pedras ou paus. Ele era um cão muito inteligente, entendia um simples gesto.
Naquele dia algo aconteceu entre nós. Enquanto brincávamos notei que ele me olhava diferente e num determinado instante parou de saltitar e me olhou nos olhos. Seu olhar foi tão profundo que fiquei envergonhado, desviei a vista, tentei brincar mais um pouco mas foi em vão. O cão me fitava nos olhos. Parei e o encarei, coloquei força no olhar mas eu me sentia nu. Era como se o cão estivesse vendo todo o meu ser com seus olhos, como num espelho e não tinha como evitar, tentei desviar a vista mas seu olhar era por demais magnetisante, profundo. A cauda do cão já não movimentava como antes, suas orelhas estavam baixas e seu rosto expressava uma feição de quem sente dó. A boca estava entreaberta e sua respiração um pouco mais calma que o de costume. Seu olhar revelava a minha própria alma, meus segredos estavam sendo revelados a mim por um simplório cão. Em seu olhar. Eu estava ruborizado, mas o cão mantinha-se imóvel, fixo em meu ser, me mostrando a mim mesmo. A face dele já não era a de um cão, era a de um anjo que me enviava a verdade. Vi em mim: hipocrisia, ganância, inveja, estagnação, mágoas, pessoas feridas, dores, maldades, desonstidades, falsidades. Comecei a me sentir mal com tudo aquilo e os poucos segundos que se seguiam eram como horas para mim. Eu não sabia o porque daquilo mas sentia que esses sentimentos, que eram meus, queriam ser libertos. O meu verdadeiro ser queria se se livrar da máscara confeccionada e usada por mim a anos. Então fechei os olhos bem devagar, não pude sequer ver se alguém observava o que se passava entre eu e o vira-lata do vizinho. Fiquei alguns segundos de olhos fechados sentido apenas a minha respiração. Senti que havia passado muito tempo, mas na verdade durou apenas segundos, pois, grande parte de minha vida se passou em minha mente naquele momento, não nos olhos do cão, como antes, mas dentro de mim. Tive ância de choro, quis explodir em lágrimas. Coloquei minha cabeça entre os joelhos e desabei. Soltei algumas golfadas de lágrimas e passado isso me senti limpo. Procurei me recompor ainda cabisbaixo. Ao levantar a cabeça o cão já não estava lá. Naquele fim de sexta-feira trabalhei bem como nunca havia trabalhado até então, eu me sentia limpo, leve, purificado.
Na segunda-feira eu quase não aguentei esperar até a hora do almoço para me encontrar com o cão-anjo. No almoço repeti o velho hábito e sentei na ponta da calçada de sempre à espera de meu amigo, eu queria lhe agradecer, mas ele não veio. Fiquei angustido pela sua ausência. Faltando alguns minutos para o fim do horário do almoço procurei o dono do cão, me identifiquei e perguntei por ele. Sua dona, uma senhora aparentando ter sessenta anos me contou que o cão havia morrido na noite do sábado, de desgosto após uma crise violenta de melancolia.
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