Sentou-se no degrau da escada que dava para o quintal. Encolheu as pernas abraçando-as, encostou o queixo delicado nos joelhos e deixou as lágrimas pingarem à vontade. Vez por outra chupava o nariz enquanto seus cabelos encaracolados esvoaçavam. De repente levantou o leve vestido deixando à mostra suas coxas graciosas. Estavam com vergões vermelhos e dolorosos. Havia levado uma surra da mãe.
- Você nunca mais entre no quarto do seu irmão para ver aquelas revistas escandalosas. São revistas do demônio. Ele gosta daquela sujeira toda e leva para o inferno quem as olha. Se a pegar novamente folheando-as, lhe arranco sangue.
A menina, percorreu os olhos nos vergões e pensou:
- Se aquilo era tão bonito e colorido por que era tão sujo? Se o diabo gostava daquilo tudo, ela também gostava; e se o inferno estava cheio de revistas, então queria mais era ir para lá.
- Deu um profundo suspiro, passou a mão nos olhos, levantou-se e disse para si mesma:
- Queria tanto ser órfã.
O MENINO
Encolheu as pernas e pôs o queixo por entre os joelhos; os olhos, duas jabuticabas maduras, começaram a bailar.
Debaixo da escrivaninha, na casa da tia, passava horas pensando, rodopiando a cabeça coberta por cabelos pretos anelados.
Pai e mãe haviam partido deixando-o com um oco fundo. O eco da despedida espalhou-se em forma de ondas intermináveis. Surgiram sulcos jamais preenchidos.
Para pensar, escondia-se debaixo da escrivaninha que tanto lhe atiçava a vontade de escrever, desenhar, brincar de fazer coisas, safadezas. Mas, não podia riscar o tampo, dizia-lhe a tia, era muito brilhante. Infância do poeta que na maturidade escrevera: “Infância, que sorte cega”.
- Menino, venha e chame sua irmãzinha. Era sua imperiosa tia exigindo presença imediata.
Ele foi.
- Peguem esta caixa e a enterrem bem lá no fundo do quintal. Nada de curiosidades.
O menino, longe dos olhos da tia, levantou um pouquinho a tampa da caixa.
Era um feto.