Não existem palavras para expressar o espanto que tive ao abrir a janela hoje cedo. Não eram verdes as montanhas que cercavam em semi-círculo a linha do horizonte? E ainda ontem, a areia da praia queimava a sola dos pés de quem se atrevesse a caminhar sem chinelos por volta da metade da manhã.
Não é chuva fina. São pequenos cristais de neve, despencando lá do alto em pleno Sol de Verão. Sim, neve.
Escavadeiras improvisam o trabalho de limpa-neves, amontoando pilhas de até três metros de altura sobre as calçadas, obrigando as pessoas a caminhar pelo meio da rua. Dezenas de carros acidentados por falta de correntes nos pneus... Que coisa estranha!
Vendedores de cachecol em plena praia de fevereiro. Os castelos de areia brutalmente substituídos por gordos bonecos de neve, com seus narizes de cenoura. O que será que está causando isso?
Olho para a régua azul do mar e vejo a borrasca aproximando-se com aterrorizante firmeza e avassaladora decisão. Um bloco compacto e branco, esfriando, resfriando... simplesmente convicto em sua tarefa de nos congelar a todos.
Neve acarpetando tudo que podemos ver. Esfriando o que estava quente, anestesiando todos os sentidos.
A neve cega, pois o brilho do Sol refletido em seus prismas é multiplicado por vinte, queimando-nos as retinas.
A neve ensurdece. O vento forte e o emaranhado de flocos brancos que caem do céu nos dá a impressão de uma turbina de Boeing 747 ligada próxima aos ouvidos.
A neve nos tira o tato, congelando pequenos vasos sangüíneos e filetes nervosos subcutâneos. Os pelinhos do corpo partindo-se com pequenos estalos, ao serem esfregados com as mãos.
A neve nos tira também o paladar, ressecando-nos os lábios e fazendo-os sangrar. A língüa sêca mais parecendo um cubo de gelo; as amígdalas inchadas como dois caroços de abacate.
A neve nos rouba o olfato, entupindo-nos o nariz. Respirar pela boca ou ter uma pesada embolia, quando o frio congelar a coriza no fundo de nossas fossas nasais, podendo nos causar graves hemorragias?
Congelar. Cobrir o mundo de branco. Este dilúvio não será feito de chuva. A neve nos purificará de nossos pecados, de nossos coágulos na alma. Garopaba para esquiar no gelo? Trenó motorizado? Jogos de Inverno?
Apesar do calor lá fora, está nevando muito forte aqui dentro. Neve em minha mente, neve em meu coração. Neve. Muita neve. Congelando as ondas do meu mar e cobrindo de branco o meu Carnaval...
