Em Família
Cristo crucificado na parede da sala. Logo abaixo, sentado na poltrona, o pai lê a bíblia. A mãe fita o vídeo-mundo-além-cozinha. Assiste “O Show da Vida”: “foram encontrados vários corpos em um cemitério clandestino descoberto nos arredores de São Paulo”. Suspira aliviada, na sua casa impera a mais perfeita ordem (e progresso, o marido foi promovido). D.H. chega em casa, observa-os rapidamente e vai direto para seu quarto.
Penumbra. Fumaça de erva queimando no quarto abafado. A dor toca no CD Player. As lembranças dançam na mente. Desordenadas, vertiginosas, mescalínicas. “Sua namorada não presta!” Revolve-se na cama. “Não quero ver você com ela de novo!” Levanta, acende mais um fininho. “Essa sem-vergonha não entra aqui, está ouvindo?” Aumenta o volume do som. A música amplifica o eco da memória. Retorna à infância. “É proibido discordar”, diziam os professores. “É proibido sentir”, dizia o pai. “É proibido ser você”, dizia a mãe. “Basta”, diz D.H..
Perambula pela casa. Entra no quarto dos pais. O revólver Phallus inoxidável expele projéteis com caudas incandescentes...
Ivaldo Souza
|