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Contos-->Anatomias -- 16/06/2002 - 11:45 (Darques Lunelli) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Anatomias

Eu gostaria que me mandassem cigarros turcos, pois a missão evangélica, distante três dias, foi queimada e os cigarros destruídos.
LOMONOSSOV




1

Primeiro houve um estrondo, depois um segundo de silêncio em que o inferno teve tempo de se organizar, porque depois nada podia ser feito, nem ninguém nisso pensaria, o fogo era uma língua ávida e sedenta lambendo as paredes da antiga construção que abrigara gerações de missionários, uns mais outros menos idealistas, mas nesse tempo em que durou o incêndio ninguém lembrou de questionar ideologias, antes, se se pensou nalguma coisa, pensou-se numa maneira de tirar dali as missionárias e as crianças da aldeia que não sabiam para onde correr, os olhos presos nos adultos mais próximos, esperando.
Babu não pestanejou ao agarrar pela mão aquele esquálido arremedo de gente que nem nome tinha, mas que era a relíquia do velho bruxo, e se não voltasse com ele para a cabana, talvez não pudesse ela passar ali a noite, e ter de dormir ao relento durante dias, semanas, até a raiva do velho passar, porque o rancor, esse demoraria mais tempo, embora ele dissesse e fizesse parecer que o esquecia no instante seguinte, mas Babu dividia há tanto tempo com ele o mesmo teto, a mesma panela, os mesmos talheres, e isso tudo, mais o tempo de vida que não era pouco, lhe autorizavam julgamentos também acerca dele, o Bruxo Branco.
Balançou o corpo enorme na direção da bordadura da floresta sem escutar o choramingo do fedelho, peste de menino que se metia atrás dela mesmo quando o ameaçava com surras e castigos. Estivesse sozinha, teria chegado muito antes ao lugar que acreditava seguro, donde poderia observar sem sustos o fogo destruindo o velho prédio.
Um grito de dor, que nunca mais esqueceu, fê-la parar e olhar para trás ainda em tempo de ver um corpo jogando-se contra o chão, as chamas consumindo roupas e cabelos, carne e ossos, o grito morrendo aos poucos, como um miado, ao final, um cicio de vento brincando com as folhas mais altas das árvores mais altas, e Babu pensou que melhor seria se tivesse sido acertado, quem quer que fosse, por uma bala certeira entre os olhos, não assim, queimado vivo e aos poucos, com a consciência da dor e da morte iminentes. Mas isso, dentro dela, não durou mais do que um instante, porque corria com o menino pela mão e o pacote de cigarros que conseguira apanhar antes de toda aquela confusão começar. Pelo menos por isso valeria ter caminhado todas aquelas horas na solidão verde das sombras da floresta.
Precisava chegar antes da noite, acender o fogo e aquecer a sopa que deixara pronta, prevendo um atraso que sempre acontecia nas suas raras ausências. Talvez o velho tivesse derrubado outra vez o balcão naquele acesso de fúria de quando não encontrava o que procurava. Mas sabendo como sabia como ele o faria, sabia também como arrumar cada coisa em seu lugar antes mesmo que ele tivesse tido tempo de terminar de tomar a sopa, não sem antes reclamar dizendo que noutros tempos serviam-lhe comida de gente, não a lavagem que os porcos recusariam que esta maldita Babu lhe servia. Então, depois de algumas horas, pediria outra infusão, um chá digestivo, e também que lhe arrumasse a cama. Ficaria uns momentos parado em frente à porta, olhando a sombra da floresta desenhada na escuridão contra o céu pipocado de estrelas. Veria nos seus olhos, a experiente Babu, um vestígio de saudade de uma vida que ela desconhecia e não chegava a compreender, mas que lhe parecia tão mágica quanto as magias de Gajou nas noites em que os deuses tomavam seus corpos e a eles parecia que ascendiam ao céu da negra África. Invariavelmente, falaria naquele outro branco que o visitara nos primeiros anos com a regularidade das chuvas de verão, chegando sempre com elas e indo embora com os indícios das primeiras secas; falaria de ensinamentos que a ela pareceriam como aqueles que Gajou transmitia aos jovens na primavera de suas vidas, e ele os descreveria como algo realizado dentro de um daqueles casarões intermináveis que os brancos gostavam de construir e que a ela pareciam sempre desperdício de espaço e tempo, porque não deveria ser saudável a convivência de tantos brancos maniáticos todos juntos sob um mesmo teto, levando uns aos outros à inevitável demência.
Uma vez, esquartejando uma galinha, fizera-o lembrar-se de uma dessas aulas em que pensei poder fazer algo diferente para aqueles tolos sonhadores que pensavam estar aprendendo a ajudar a humanidade. Tolos sonhadores, nada mais do que isso, que não sabiam nem mesmo qual era a cor da cueca que estavam usando naquela manhã, então como poderiam lembrar-se do nome deste ou daquele órgão? O cadáver acabara de chegar, roxo-esverdeado, envolvido pelo cheiro da morte, um cheiro que sempre associei ao cheiro da grama cortada, um cheiro de morte verde... Vieram dois, lado a lado, trazendo os instrumentos, as mãos tremiam, eu sabia, e pensava que tremeriam mais ainda quando alguém fizesse a primeira incisão. Qual deles escolheria? O mais medroso seria indiscutivelmente divertido, mas eu não queria diversão naquela manhã, eu queria outra coisa, eu queria voltar a ver as manhãs brilhantes dos dias em que acordava ao lado de Larissa e via nos seus olhos a alegria pelo nascimento do nosso primeiro filho. Então chamei Hallec.
O que é isto, perguntei, indicando o aparelho digestivo. Um caldeirão, disse ele, um velho caldeirão cheio de condimentos, o senhor não está vendo? Aqui, ao lado da mostarda pode-se ver um aipo azul, cercado por pequenas margaridas vermelhas, asas transparentes e pernas de formigas australianas, aquelas pequenas e assassinas formigas australianas que devoraram uma aldeia inteira há pouco mais de dez anos. Aqui, disse ele, onde se pensa ver um coração, vejo uma casa com as janelas abertas, o vento batendo nos postigos e convidando a cortina a dançar o bailado inconseqüente de uma manhã de abril, quando por um nada o amor nasce dentro do peito, exatamente aí, dentro dessa casa que todos pensam ser um coração, e nada mais é do que uma casa cheia de quartos, diferentes todos eles, porque é assim que se consegue abrigar os hóspedes que chegam sem avisar sem que se sintam desprezados por terem sido alojados em lugares idênticos. Aqui, onde o senhor e meus colegas vêem o aparelho reprodutor, vejo um abismo; mas há uma ponte, à direita. Vejam o vale do outro lado do abismo, imenso. Aqui, onde estaria a boca, há uma flor, e dentro dela o mais delicioso dos néctares. Que os olhos são janelas, todos sabemos. Mas qual a paisagem que vemos através dessas janelas?
Babu olhou para os olhos do menino e viu o reflexo do fogo ardente que destruiu a missão evangélica no fundo daquele brilho, e pensou ter pensado que não havia mais menino algum ali dentro, mas outra coisa qualquer que se interpusera entre o fedelho e aquilo que ela arrastava através da floresta. Gajou vale-me, disse para si mesma. Veio-lhe a lembrança do grito que jamais esqueceria e o pensamento de que certamente, se houvesse chance, o velho iria até a missão para ver o estrago naquele inferno em que se transformara, e talvez, se o outro branco ali estivesse, o arrastasse consigo como um cicerone de maravilhas mostrando a morte como quem mostra uma ervilha, insignificante e poderosa na sua pequenez esverdeada.
A primeira noite surpreendeu-a já muito além de onde pensara ser possível considerando-se o inevitável atraso por carregar o fedelho, e adormeceu sentindo o calor daquela pequena coisa preta junto ao peito, sentindo uma estranha ternura não pelo arremedo de feto que lhe pesava nos braços, mas pelo que um dia houvera sido, e mais ainda pelo que poderia vir a ser, não tivesse a vida se encarregado de lançá-lo no caminho do velho bruxo e dela mesma, intransigente e tirânica negra. Talvez, sem percebê-lo, fosse capaz de transmitir-lhe algum tipo de sentimento materno, mas duvidava disso, mais por inabilidade do que outra coisa, porque não se imaginava capaz da dedicação necessária para conduzir através da sucessão dos dias uma vida transformante como aquela, cujos caminhos já tomados talvez a conduzissem para um destino que ela sequer pudesse imaginar e, por conseqüência, compreender. A última visão da primeira noite foi o brilho de uma estrela no meio das copas das árvores, e de um suspiro profundo que lhe escapara como um lamento de inevitável pesar.
Caminharam o dia inteiro, descansando várias vezes e parando outras tantas para comer o escasso farnel que trouxera, mas na segunda noite já não tinha a preocupação inicial em relação ao fedelho porque percebera a inutilidade de querer recuperar uma coisa irrecuperável, pois além daquele brilho ígneo no fundo dos seus olhos, via-os agora como a duplicata dos olhos do branco, tornando aquele pequeno animal um híbrido assustador.
Na metade do terceiro dia, Babu viu a luz pálida vinda de dentro da cabana e largou a mão do menino como quem liberta uma fera, cheia de temores mudos. Ao entrar, o olhar do velho lhe disse que o menino contara tudo, e, como imaginava, divertia-se com o temor que demonstrava pela metamorfose daquele inseto preto agarrado às suas calças em farrapos, e disso teve certeza quando lhe perguntou, insolente, se ao menos tivera o discernimento de escolher o melhor tabaco entre todos antes de sair correndo como uma hiena assustada. Atirou-lhe o pacote como quem se desfaz de um fardo, torcendo os lábios aos comentários furiosos do velho bruxo, pouco se importando com as maldições, preocupada que estava com o fogo por acender. Catou gravetos, atiçou as brasas adormecidas do borralho e aproximou a panela escurecida com a gordurosa sopa transformada numa pasta de aspecto desagradável. Fixou o olhar no centro da panela e viu, lentamente, a pasta transformar-se numa coisa liquefeita cor de âmbar, e pensou, sem querer, que parecia gordura sendo queimada, e mais sem querer ainda, pensou naquele corpo gritante que vira há poucas horas no pátio da missão, percebendo que entre um fato e outro, o incêndio e o requente da sopa, se interpunha a infinidade de detalhes de que se compunha a existência, incluídas aí as metamorfoses de insetos e fedelhos, que tudo isso lhe escapava ao controle e nem por isso lhe causava estranheza que pensasse com um certo prazer vingativo que não teria que caminhar todo aquele caminho novamente durante muito tempo para buscar os cigarros do velho louco, muito embora isso significasse um acréscimo de rabugice no já insuportável temperamento daquele homem.
Lomonossov rabiscou durante algumas horas uma folha branca, depois pediu a ela que acendesse novamente o fogo, porque sentia muito frio, um frio vindo de dentro da alma, dissera, pela primeira vez demonstrando preocupação com o entendimento de Babu, e isso fê-la pensar que não há primavera que não suceda a um inverno, rindo por dentro um desses risos tortos e tristes que parecem careta se vistos de fora, e mais tortos e tristes parecem quando percebidos desde dentro. Aproximou do fogo a cadeira de espaldar alto, presente do branco jovem, e esperou que sentasse estalando os ossos como um saco jogado do alto de um precipício. O tempo, pensou Babu, o tempo nos enterra.
Sonhou com uma reunião, cânticos e atabaques, e soube que Gajou a chamava. Avisou o velho que ficaria fora alguns dias e não poderia levar o fedelho consigo, coisas de sua gente, não insistisse em saber motivos ou tentar demovê-la, nada a faria ficar. Maldita raça. Deveriam estar todos mortos ou cercados em campos eletrificados! Quem lhes deu o direito de ter vontade? Quando foi que eu disse que você podia decidir qualquer coisa? Agora isso, sai toda semana, vai não sei para onde no meio do mato com aqueles negros vadios, pra cantar e dançar e comer, enquanto eu aqui peno tentando aquecer água para um café fresco. E o menino? Não é meu filho, disse Babu. Desalmada! Nem ela acreditou na veracidade daquela fúria.
A bordadura da floresta novamente abriu-se para ela entrar, e nesse instante sentiu arrepiar a pele do corpo inteiro e teve certeza da presença do espírito negro das árvores. Vale-me deusa, disse, guia meus passos, continuou, porque nada sou nem serei nunca mais do que devo ser sob tua vontade. Rezou pelas almas daquele branco e daquele tição híbrido, e rezou, sobretudo, pelas almas da gente da missão, lembrando sempre o grito daquele infeliz rolando no chão.
Gajou tinha nas mãos um pote com a infusão, e os outros o cercavam num círculo compacto, olhos presos nas suas mãos. Mas ele, Gajou, tinha olhos apenas para Babu, porque era através dela que a deusa se manifestava. Ofereceu-lhe o pote. Ajoelhada diante dele, Babu bebeu avidamente, sentindo no amargor da beberagem o estalo libertador da sua vontade, e já no instante seguinte deixou de sentir as extremidades do corpo, primeiro dos pés, que não tocavam mais o chão, depois das mãos, que escreviam estranhas sentenças rasgando a noite com desenhos indecifráveis, depois o nariz, as orelhas, todo o corpo foi morrendo aos poucos, com a lentidão de um ritual, e quando voltou a sentir-se viva, não era mais Babu, a velha gorda e tirana negra cuidadeira de velhos brancos, mas uma Babu outra que vinha do passado dela mesma e deles outros reunidos ali bem no meio da noite da floresta, um passado em que eles apenas e ninguém mais ousava passar a noite tão longe de outra alma vivente, porque brancos não havia nem outros iguais que os atrapalhasse ou lhes espiasse a vida, a princípio, e as regulasse, afinal, como se acreditassem de fato terem os deuses lhes outorgado autoridade sobre eles, herdeiros diretos da sabedoria das folhas e da escuridão da mata.
Babu dançou e cantou e gritou e girou como a lua no céu, ouvindo como distante o tantã dos tambores ali próximos e sentiu como na infância a lembrança que não era dela, mas deles todos, de ser parte do mundo, sentindo com o corpo inteiro numa inteireza surpreendente e indescritível a consistência de cada uma das coisas vivas e mortas deste mundo, não como indivíduo que era, mas como ponto de uma infindável trama cujo começo não conhecera e cujo fim jamais veria. E disso advinha a alegria que transformava em dança, porque dançava por ela, sim, mas sobretudo por tudo e todos. Recuperou vinte anos e viu-se menina bailando o tantã dos atabaques; e viu-se, também, já madura, acolhendo um branco desagradável em sua casa, acolhendo-o em sua cama nalgumas noites em que mesmo as fêmeas rinocerontes gritavam sua solidão noturna, e, perdida num delírio novo, viu-se amando aquela coisa branca e aquela coisica preta como a deusa deveria amá-la e amá-los, e num instante que durou sua vida, viu que dos pés do velho cresciam raízes que afundavam no chão da negra África, e percebeu pela primeira vez que há muito não era ele quem dizia ser, mas outro que nem sabia-se folha da árvore da vida ou ponto perdido da tecitura da existência, e sorriu, porque era capaz agora de aceitar mesmo a existência de transformantes insetos pretos justificando suas breves vidas, e sentiu a deusa da floresta tocar-lhe o coração e arrebatá-la.
Vale-me deusa – disse – sou um arco em tuas mãos.


2

Flecha que era, Babu cortou o ar voltando para casa, mais rápida que nunca, mais ágil, mais ela mesma desde os vinte anos. Trazia consigo as lembranças daquela noite entre os seus, e no corpo as marcas do ritual conduzido por Gajou: sangue entre os dedos, os cabelos duros e secos, a roupa rasgada, um seio apontando a direção a seguir. Mas trazia, sobretudo, dentro dela, uma certeza de ser ela outra, não apenas em pensamento, mas de fato tão real quanto este chão que suportava seus pés, tão real quanto o vento bailando no alto das árvores. Aspirou o ar e sentiu o cheiro da floresta.
Meu lar – pensou. E correu, porque era jovem novamente, tinha vinte anos.
Flecha que era não bateu à porta da velha cabana onde morava desde antes da sua lembrança ser capaz de lembrar, e surpreendeu o velho ainda na cama, enrolado numa manta vermelha, o inseto preto deitado aos seus pés, enrolado sobre si como um feto grotesco.
Acorde – disse – acorde.
O velho abriu os olhos. Olhou-a com os olhos de um bêbado, ou talvez com os olhos de vinte, trinta anos atrás, porque ele também a via como antes, estendeu a mão num gesto esquecido e tentou tocar a orquídea amarela em seus cabelos.
Não – disse ela, e ele recuou, com medo pela primeira vez em anos. Não quero que me toque. Levante-se.
O velho estendeu-lhe os braços ainda uma vez antes de compreender que ela não o sustentaria. Vacilou, depois aprumou os passos na direção da porta, onde ela, sendo flecha, chegara muito antes. Seguiu-lhe os passos através da floresta, e pensou, o velho Lomonossov, que mesmo tendo percorrido inúmeras e incontáveis vezes esse mesmo caminho, era a primeira vez que o percorria, e surpreendeu-se sentindo o arrepio e a dor branca do temor dentro de si, como sentira ao ver Larissa entre os girassóis, num tempo em que o próprio tempo tinha outra consistência e as vidas eram tecidas de outra matéria, ou assim lhe parecia, e isso agora não tem importância, pois Lomonossov sabia, como Babu também sabia, que esta era a última vez que este trajeto seria feito desta maneira.
Onde me leva, negra louca? – balbuciou.
Quero lhe mostrar uma coisa. Tem medo?
De você?
De mim, sim.
Não.
Não mesmo?
Insolente. Fêmea insolente. Imprestável.
Babu riu e, flecha que era, atirou-se ainda mais floresta adentro. E foi somente quando percebeu que a distância entre eles era cada vez menor que Lomonossov descobriu que suas pernas já não tremiam nem vacilavam, que o ar entrava e saía de seus pulmões em vastos haustos e recuperava uma certeza de que se julgava para sempre incapaz. Olhou-se as mãos com olhos de incréu e viu que manchas e rugas desapareciam.
Onde você me leva, negra?
Aqui – disse Babu, apontando um rio.
Lomonossov arfava.
Olhe-se no espelho dágua.
Debruçou-se sobre a água, mas fechou os olhos.
Não tenha medo – disse Babu. Abra os olhos. Sou eu quem está pedindo. Abra os seus olhos.
Lentamente, antegozando o visto, abriu-os.
E quando viu-se, chorou. Depois se voltou para ela e a tomou pelo braço, como a muito não fazia com ninguém, e a puxou contra si, sentindo a rigidez dos seus corpos como uma provocação. Meteu-lhe os lábios entre os lábios e cavoucou com a língua em sua boca um lugar para sempre seu. Rasgou-lhe as roupas, rasgou as suas, e amou Babu com o desespero e o abandono dos loucos apaixonados, e sussurrou, mais para si, uma prece para um deus esquecido pouco antes de sentir que suas carnes confundiam-se.

Porto Alegre, 20 de julho/01 de agosto de 2001.
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