Por minha culpa, mesmo que sem intenção, mais alguns jovens foram aliciados para o famigerado mundo do vício e das drogas.
Não que este simples escriba esteja participando dos bacanais de riqueza, luxo e prosperidade que o tráfico tem propiciado a uma plêiade de canalhas, escroques e filhos de éguas, que a custa de vidas e desespero de tantas famílias, engordam nababescamente suas contas e burras.
O fato é que, aproveitando o feriado, como é costume deste operário das letras, fugi do redemoinho da urbe e fui abraçar-me aos piaus cabeça gorda, pintados e tucunarés, nos remansos e praias do Araguaia.
É verdade que o desmatamento das margens, o ritmo brutal do avanço das propriedades pastoris, a ação gananciosa e desmedida do dito civilizado, maculam a cada dia mais, aquele dantes santuário, mas persistente, a mãe natureza insiste em oferecer espetáculos indescritíveis, capazes de nos revitalizar por mais alguns meses para a faina sudorente do dia-a-dia.
Como toda estrada tem dois sentidos inseparáveis, um vai e o outro retorna, findo o prazer do feriado, vencida a vontade de jogar fora os registros civis, os comprovantes de cidadania como carteira de identidade, cartão de contribuinte, e qualquer outro documento, e abraçar de forma irrevogável e irretratável o prazer do paraíso, nos largamos na estrada rumo a realidade.
Dos quase quinhentos quilômetros que haveríamos de percorrer de volta, divididos entre várias barreiras de fiscalização e policiamento, os primeiros setenta foram os mais custosos. Deixar o paraíso é feito que não se realiza sem relutância.
O tédio que a estrada de retorno nos provocava só se quebrou quando em uma barreira policial, sob a força da austeridade e do cumprimento irrestrito do dever, fomos abordados pelo Cabo Almeida. Policial de grande costado, firme, aplicado e aplicante irrestrito da lei, tirou da caminhonete toda nossa tralha, vasculhou minuciosamente os detalhes de cada reservatório do bólido, mediu e pesou cada espécime que compunha os poucos mais de vinte quilos do mais autêntico fisgado que transportávamos, buscou por instrumentos inadequados a pesca esportiva, procurou por toda a monta de irregularidade e o resultado encontrado, mesmo diante de toda a minúcia de sua observação, foi um excedente de um quilo e poucas gramas.
Não obstante, o reto policial lavrou o auto de apreensão, a multa, e ainda proferiu ameaça de retirar-me o único documento que estaria fora de meus planos de excomunhão, minha autorização para pesca amadora.
Enquanto éramos vistoriados, enquanto assistíamos o vilipendiar de nossos sagrados troféus de beira rio, com medidas e pesagens, troféus nem tão grandes assim, um belo carrão importado, macio e elegante, como convêm aos símbolos da arrogância, passou pela barreira, impávido e colossal.
Algo naquele carro me chamou a atenção, talvez a placa, APO 9000.
Terminando todo aquele incidente, que se tornaria à única nódoa da pescaria, seguimos em retorno, mais empurrados pelo cansaço e pela saudade da velha e boa cama que qualquer coisa.
Casa, chuveiro, cama, travesseiro, e na segunda feira, ao chegar a redação, deparei-me com uma foto legenda que dava conta de um carro apreendido pelo comando da polícia federal. Seu condutor teria foragido com mais de cem quilos de cocaína.
O carro era um importado, impávido e colossal, com placa APO 9000.