Olhava para a esposa deitada ao seu lado na cama, dormindo, grávida do filho que tanto queria ter.
De fato, era filho homem mesmo, teria que ser assim. Não sabia o sexo da criança por exames, mas por convicção.
Já tinha nome, seria Júnior, mas esse ia dar certo, melhor que o pai, esperavam ele e a esposa. Se fosse menina ainda não saberiam qual seria, não trabalhavam com essa possibilidade.
Adimirava os chutes do bebê, e como todo pai, pensava que ele seria jogador de futebol quando crescesse:
"Esse garoto vai ser a nossa salvação. Vai se dar melhor do que eu na vida e vai ajudar nois. Vai ganhar um dinheirão, vou jogá bola com ele, e ele vai jogar na Europa."
Por vezes, lamentava a falta de estudo, e projetava na criança a oportunidade que não tivera - toda criança acaba sendo uma tentativa de extensão da personalidade dos pais.
"O menino vai estudá, vai virar dotô, num vai sê pedreiro qui nem eu , num vai tê as mão calejada."
"Mas...i si ele for qui nem o pai, num gostá de estudá, querê ficá o dia todo na rua...aí é mais uma boca pra cumê...vai vivê miserávi qui nem nois...ele num merece isso, é milhor qui nois...é puro ainda, num conhece a vida da rua, da pobreza..."
Chorou...fadava a criança a uma vida como a sua, sem expectativas...o sonho de a criança sustentar os pais era natimorto, não se podia exigir dele, que nem havia nascido, que nem havia conhecido a vida, que mudasse a de seus pais.
Empurrou a mulher da cama, ela caiu de barriga para baixo. Não precisava de exame, sabia que o filho havia morrido, salvara a criança de uma vida indigna ao não lhe dar a vida.
Com as lágrimas nos olhos, as anteriores e as do momento - matara seu filho - tentava acalmar a mulher que "havia rolado dormindo e num deu tempo de segurar antes de cair no chão"