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Contos-->CARNE, OSSO E SILICONE -- 04/01/2002 - 20:18 (Paulo de Goes Andrade) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Carne, osso e silicone

Paulo de Góes Andrade

No banheiro, mirou vários ângulos do corpo desnudo e achou que precisava fazer uma recauchutagem. Com as mãos em concha segurando os seios - pequenos, achou que estavam caídos; e a bunda merecia também algum enchimento. Certa amiga havia feito aquilo e estava abafando aos olhares masculinos. Não lhe faltavam cantadas. Ficava a seu critério a escolha de um ou de outro lisonjeador. Um sucesso absoluto. Confidenciou. Foi mais um motivo para estreitarem aquela amizade, que Queiroz refutava.
Giselda “morreu” de inveja.
- Silicone vai dar um jeito nisso aí também. Disse, resoluta, apontando para a sua imagem nua no espelho. E acrescentou: “Queiroz vai ter que se virar...” Confiava na sua teimosia. Não era a primeira vez que ele iria ceder às suas investidas.
Talvez fosse mais difícil convencê-lo agora. Não que ele fosse contrário, presumia, e sim pelo fato de ganhar uma ninharia, uma insignificância de salário, numa gráfica, onde guilhotinava papel quase o dia todo. Complementava as despesas da casa, e com as vaidades de Giselda, com “bicos” de escrituração de livros comerciais de padarias e botequins da Gamboa. Queiroz pegou uma prática extraordinária de contabilidade com o pai. Mesmo assim, “não tendo onde cair morto”, como dizia, nada que a mulher desejasse, seria capaz de negar. “Foi uma das minhas maiores conquistas o meu casamento com Giselda”. Dizia vaidoso aos mais íntimos. Já era um quarentão, meio desajeitado, quando a conheceu nos seus vinte e poucos anos, bonita e charmosa como até hoje, num baile de carnaval. Foi uma gamação de fazer inveja às conhecidas, que a acompanhavam. Não podia lhe faltar agora, embora contrário àquela idéia maluca. Tentou, sem êxito, dissuadi-la, mostrando por A mais B que aquilo já era ridículo nesses travestis, que se prostituem nas noites da Lapa e nos inferninhos da Zona Sul. Em mulheres, então, não pegava bem. Achava o cúmulo da insensatez modificar o que a natureza lhe deu.
- Mas por quê isso agora, meu bem, se você está ótima? É assim que eu gosto de você! Pigarreou. Respirou fundo. E... você sabe quanto custa uma operação dessa?
- Nem desconfio. Só sei é que eu quero, meu querido! Uma coisa eu garanto, você vai a-do-rar, enfatizou. Convencida, falou mansinho: “Já pensou, meu benzinho, isto aqui enchendo as suas mãos?” Abarcou os seios, fazendo beicinho e apertando os olhos, fingindo querer chorar. Sabia ser manhosa nas suas reivindicações. Mais uma vez foi envolvida, carinhosamente, pelos braços musculosos do esposo, que lhe afagou a cabeça, beijando com avidez os seus cabelos.
- Calma, querida! Calma! Tudo bem! Tudo bem! Não quero é que você chore. E cedeu mais uma vez.
Queiroz tinha um coração de manteiga, derretia-se à toa. Todavia, mantinha-se fiel às raízes maternas. Era desconfiado. Coisa de índio, dizia sua mãe, que lhe ensinou que fingimento é um atributo inerente à mulher. “Nós, mulheres, somos artistas inatas. Nunca esqueça isso, filho!” Assim, enfiou certas dúvidas na cabeça diante daquela decisão da mulher: “Será só pra impressionar a mim?” “Isso tem dente de coelho!” “Essa amizade de Giselda... Sei não!” “Ah!... Deixa pra lá!” “Corno, sempre foi mesmo o ultimo a saber...” Mas ainda acreditava na fidelidade da companheira.
Um dia, passando numa loja de roupas femininas, viu, entre manequins, de gesso, vestidos com diversos tipos de roupas, até de noiva, um que ainda estava “nu”. Admirou as suas formas, principalmente os seios e as nádegas em tamanhos normais. Quase tudo no lugar, do jeitinho dos de Giselda. “Pra quê essa invenção agora, meu Deus?!” Irou-se naquele instante e se encheu de uma vontade maluca de substituir a mulher por um boneco daquele da vitrine e mandar Giselda para a puta que a pariu. Mesmo com todo o amor que lhe dedicava. “Eu não quero uma mulher biônica! Porra!” Explodiu-se por dentro. Era uma decisão que ultrajava a sua sensibilidade. Definia.
Nem plano de saúde o desventurado tinha. Esses planos, procurou saber, não cobrem esses tipos de cirurgia. Tinha que se virar, só Deus sabia como. Talvez um empréstimo num banco, quem sabe? ”E os avalistas?” Aí, morava o “x” do problema. “Não tenho onde cair morto! Quem vai confiar em mim?... Caralho!” Lastimava-se. Não sabia como desatar aquele nó.
Os dias passavam ouvindo a lengalenga de Giselda: “Como é, bem, quando é que eu faço essa operação?” E ele, pacientemente, procurava conformá-la dizendo que iria dar um jeito, embora indignado. Ela iria ter os peitos grandes e a bunda também, que tanto desejava. Ele, não. Estava satisfeitíssimo com os dotes físicos da mulher. Conheceu-a assim, com tudo mignon. Como sempre foi um sujeito de palavra, tinha que comungar também naquela obstinação de Giselda. Sabia, no entanto, que as alterações, quer dizer, os seios grandes e a bunda estufada de silicone levariam-no a um inevitável fastio sexual. E, mais ainda, seria proibido de tocar naquela massa inchada, artificial e insensível, possivelmente. Poderia danificar a “obra-prima” do cirurgião plástico.
Conseguir dinheiro emprestado em banco, estava descartada a possibilidade; e nem com agiota tampouco. “Preciso, pelo menos, duns três ou quatro mil “contos”. E como pagar depois? Fez a sua contabilidade: somou, diminuiu, multiplicou, dividiu, mas não deu.
- Dá um toque aí no patrão, rapaz! Quem sabe? Aconselhou o colega, a quem revelou o seu drama.
- Diz pra ele que a tua mulher precisa operar urgente de apendicite, por exemplo.
- Eu, não! Mentir? Não sou disso não! E logo pra quem, pra esse português grosso? Nem pensar! O portuga era o dono da gráfica. Nunca deu “colher de chá” a brasileiro. Só era condescendente mesmo com os “patrícios”. “Isso é um bom filho da puta”, achava Queiroz.
E vomitou meio desesperado.
- Porra! Eu tô é fodido!
Sem outra saída, o jeito foi apelar para a sua velha. Mandou-se para Bangu, onde morava a mãe, apertado como sardinha em lata num trem da Central e conseguiu convencê-la a emprestar-lhe por uns meses o relógio Patek Philipe, de ouro, a única jóia que o pai deixou como herança, que botou no prego na Caixa.
- Pronto! Aqui está a grana, Giselda. Nem a tratou com o mesmo carinho que usualmente tratava: meu bem, meu amor, minha gatinha e outras babaquices de coroa apaixonado.
O novo visual da mulher chamou a atenção de alguns vizinhos. Queiroz notava num rabo-de-olho. E já por mais de um mês de siliconizada, ele não se habilitou a tocar nos intumescidos peitos de Giselda, nem mesmo ela vestida, por rejeição. Por rejeição mesmo. Mas logo, diante do indiferentismo do marido, à luz clara do dia que enchia a sala-de-estar, onde costumavam namorar, vendo televisão ou escutando música, retirou a blusa e desceu as alças do enorme (agora) sutiã de cima dos ombros, jogando-lhe na cara os dois “melões”, ou das duas “melacias”, com que comparou.
- O que é que você me diz? Não estão maravilhosos? Ele teve vontade de dizer que por poucos pontos ela perdia para uma vaca holandesa. Mas... deu uma brecada na língua.
- Hum...! Não era assim que você queria? Ótimo! Ótimo!
- E aqui atrás? Suspendeu a saia, segurando-a na cintura, e desceu a calcinha, expondo as nádegas volumosas e arredondadas ao julgamento do marido.
- É... Do jeito que você desejava, não é? Muito bem! Muito bem!
Giselda não levou em conta a avaliação fria e desinteressada do marido. “Já esperava por isso”. Disse com seus botões. Também, nem se doeu. Estava noutra mesmo! “Azar seu, meu queridinho! Tem quem vai gostar!” Quase falou.
A vida íntima e sentimental do casal, mais para Queiroz, modificou-se em muito. Nos seus cinqüenta e poucos anos, notou que o fogo da paixão se apagava dia a dia. O tesão já era raro, por ela, evidentemente. Revelou ao colega e já amigo, da gráfica. Tinha mais prazer se masturbando do que transando com Giselda. Sentia-se montado numa máquina, enxertada agora de produto químico, de um derivado de petróleo, imaginava.
Curioso, um dia entrou numa livraria e folheou um dicionário e viu o significado de silicone. Era uma designação genérica de polímeros com átomos de silício e oxigênio; e que polímeros, por sua vez, são compostos de centenas de milhares de moléculas de etileno, que é, nada mais e nada menos, um hidrocarboneto olefínico (?) formado por dois átomos de carbônio e quatro de hidrogênio.
- “Pode? Isso é uma bomba atômica que a minha mulher meteu nos peitos e na bunda!” Concluiu, sem mais tesão por Giselda, que era feita agora, não só de carne e osso, mas do maldito silicone.
- “Melhor é a gente se separar, enquanto não temos filhos...” Sugeriu Queiroz, que, logo depois, teve parte da mão esquerda decepada pela guilhotina da gráfica.
Aposentou-se, por invalidez, com um mísero salário, e foi morar no subúrbio com a mãe.
Giselda seguiu a vida airada de sua amiga. Nos plantões do pobre Queiroz, já era vista com embarcadiços na praça Mauá. Soube depois. E... resignou-se.



(pgoes@terra.com.br)















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