Lucas surge num campo extenso. A grama é de um verde quase mágico, e ele inspira o puro ar que ela exala. Ao longe avista uma enorme plantação de flores variadas, chamando-o a correr por entre elas, flutuando com os pés no chão.
No presente, Lucas esbarra na passividade das plantas. No passado ele surge no campo extenso. E no futuro, voa.
A onda de calor percorre seu corpo, dos pés à cabeça, seguida pela ventania vinda do chão, que o faz subir como uma folha até o céu. E por um breve instante, acha que se esticar o dedo poderá tocar o sol.
No presente, Lucas percebe que não tem medo de onde está. No passado ele sobe. E no futuro, cai vertiginosamente.
Sem medo algum, atinge a água de um lago gigantesco. Sabe o que deve buscar bem lá no fundo. Sem pressão, e sem sufocamento, ele nada para chegar ao solo sub-aquático. Sente-se cercado num mar de adrenalina e alegria. Os peixes parecem cantar seu som preferido.
No presente, Lucas vai até o chão do lago. No passado ele cai esbarrando nas partículas de sua liberdade e oxigênio. E no futuro, rouba a pérola de uma grande ostra.
Nadando até a superfície, pensa na garota que ama, e que receberá o presente. Pensa naquele sorriso avassalador, e naqueles olhos injustos de tão azuis e tímidos. Pensa nas mãos e nos sentidos que tudo nela canaliza através dos nervos até seu cérebro.
No presente, Lucas surge para fora da película d’água. No passado, ele viola a integridade de um ser vivo. E no futuro, o reflexo do sol em seu presente lhe ofusca a visão.
O maestro êxtase pede o som da queda da cachoeira, para completar a sinfonia das substâncias naturais. Ele sobe na margem, e pára em frente à densa floresta que terá de atravessar para chegar até a montanha do desafio. Nada há de amedrontador no lugar, e ele não demora a pôr seu corpo a lutar velozmente contra as enormes folhas, galhos e cipós. Até avistar a grande árvore, toda entalhada com símbolos diversos. E ele sabe que deve decifrá-los para prosseguir.
No presente, Lucas observa, e põe à prova seu raciocínio. No passado, ele desvirgina a selva. E no futuro, muda o paradigma e descobre que todos os símbolos são na verdade um só.
Conta tudo ao Mago Guardião, que o deixa passar. Ao pé da montanha, ele olha para o alto, e põe-se a subir. Mas começa a sentir-se cada vez mais longe do topo, e descobre que a montanha cresce a cada passo que é dado nela. Só lhe resta então pedir à mão de um anjo para que o faça subir sem tocar a terra. E assim o faz, sentindo-se mal pela primeira vez. É solto no topo, e pego de surpresa pela visão de uma silhueta feminina, que caminha até ele. Parado ali de pé, estende-lhe a pérola.
No presente, Lucas dá a pequena esfera à garota que ama. No passado, ele sentia-se mal pela primeira vez. E no futuro, ela vira uma estátua de pedra sorridente.
Grita alto que nunca foi o suficiente, e começa a ofegar nervosamente, como se viesse à tona de uma só vez todo o estrago físico de sua jornada. Toca o rosto petrificado na tentativa de canalizar alguma emoção que não seja vinda de sua própria mente. Falha em tudo o que faz, e nada resta da alegria de antes. A onda de calor agora o incomoda, a altura é agora vertiginosa, e a garota agora é de pedra.
No presente, Lucas ajoelha-se diante de seu próprio caos. No passado ele sentia-se feliz. E no futuro, o topo da montanha treme como um vulcão.
E a erupção vem para acabar com o pequeno paraíso do garoto. A lava morna atinge seu rosto de baixo para cima, ritmadamente. Tudo parece inevitável, e não há nada a fazer senão morrer e se conformar. E ao morrer, ele começa a abrir os olhos, mas sua visão está muito embaçada para ver o que é que lambe seu rosto, fazendo parecer lava morna de vulcão. Sente o concreto frio nas costas, e a borda da calçada prendendo a circulação de seu braço esquerdo. Com algum esforço, consegue tirar o cachorro de cima de si, e apoiar-se sobre as próprias pernas para seguir o caminho de casa.
No presente, Lucas caminha lentamente pela rua escura. No passado ele injeta heroína em sua veia. E no futuro, sua mãe chora...