Sexta-feira, nove horas da noite e eu vou me matar.
Resolvi fazer isso há uma semana, como vêem, a decisão não desviou-se da minha cabeça.
Jantei, tomei um banho, escovei os dentes, reli alguns belos pensamentos e sentei na moldura da janela do 11º andar - meu apartamento.
Chegou a hora em que vejo em minha mente todos os problemas que deixam minha vida um fracasso.
Fechei os olhos. Não quero ver o "abismo".
Abri os olhos, acho melhor ver o chão enquanto caio.
Fiz meu último pedido enquanto olhava para todas as pessoas andando nas ruas, morando nos prédios vizinhos. Pessoas e suas vidas. Pessoas e seus problemas.
Olhei para o prédio na minha frente, casualmente vi, pela janela, um homem de cor azul. Ele estava sentado em uma poltrona bastante confortável, tinha uma xícara de café na mão direita e assistia televisão tranquilamente. Nada mais podia incomodá-lo. Este homem azul irradiava uma certa calma, uma felicidade pessoal e comum; como se esse ato rotineiro - o de assistir tv - trouxesse a devida alegria à sua vida.
Por um instante eu pensei e me perguntei: por que ele estava feliz? por ele não se importava?
Instantaneamente entendi que sua situação era confortável pois ele era diferente. Ele era azul.
Nunca vi um homem azul antes e nem creio que você tenha visto. Mas o que acontece é que ele era, de fato, azul!
Sai da janela e procurei algum tubo de tinta azul na dispensa da minha casa, depois no meu quarto, depois no banheiro, no quarto de visitas, e por fim, não tinha encontrado nada.
Peguei a chave do carro e desci do meu apartamento. Fui imediatamente procurar tinta azul em qualquer farmácia ou loja que estivesse aberta à essa hora. Algo me dizia que eu tinha encontrado a felicidade.
Domingo, oito da noite e eu estou azul. Há dois meses venho acompanhando a rotina do homem azul em frente ao meu prédio. Há dois meses eu me pinto de azul.
Compro 4 tubos de tinta todos os dias para poder me pintar. Nesses canais de shopping, encontrei uma tinta especial que não irrita a pele, estão vindo 70 tubos de tinta azul, deste tipo, dos EUA para o meu apartamento. Quase não saio de casa. Minhas saídas acontecem quando o homem azul sai.
Ele trabalha num circo, tem 28 anos, não é casado, não trabalha fim de semana, não recebe visitas em casa, é feliz, sua pele é azul por natureza e eu o invejo por isso. Eu o amo.
Hoje ele chegou do trabalho e preparou seu jantar. Depois de ter comido, ele tomou banho, escovou os dentes e releu alguns trechos de livros.
Agora, o homem azul está sentado na janela com as pernas viradas para a profundidade da cidade. Para as ruas onde passam jovens empresários, prostitutas, camelôs, políticos, padres e mendigos.
Eu me desespero, abro a janela e grito que ele não deve se matar, que eu invejo a vida dele, que ele vive bem e que, pelo amor de Deus, não deve se matar!
Ele me responde que não acredita no que eu digo. Me diz que sua vida é fracassada, que é um tédio, que ele está cada vez mais apático às coisas ao seu redor, e que não vale a pena continuar vivendo daquela forma.
Ele pula.
Eu choro. Choro durante uns 5 minutos.
Vou até o banheiro tentar tirar a tinta azul do meu corpo, mas não sai. Já sou azul. Sou azul. Azul. Que grande merda!
Me atiro da janela.
Amanhã aparecerá nos jornais, que dois homens azuis suicidaram-se, que dois homens azuis estão mortos.