O OPERADOR
POR ROOSEVELT VIEIRA LEITE
Campos era uma pequena cidade no extremo sul de Sergipe. Seu povo magnânimo sempre a se preocupar com o próximo buscava o progresso que ainda não havia chegado. A feira da coruja era a principal atividade econômica do município. Dela vivia a maior parte da população. O povo agonizava na segunda-feira em busca do pão de cada dia. As vezes alguém voltava para casa de mãos vazias. Este era o caso de dona Aparecida. Já haviam se passado sete segundas sem vender nada. Por isso ela foi à Lagoa Redonda pedir a um macumbeiro que abrisse seus caminhos. A mulher vendeu a bicicleta e um carrinho de mão para pagar o trabalho. Esperou o prazo que o macumbeiro deu e nada. Agora ela ia para coruja a pé e levava a mercadoria na cabeça.
Aparecida não conhecia seu Antônio de Ogum. Uma colega dela a levou até ele que a recebeu de braços abertos sem cobrar nada. Antônio era adepto do Adjunto de Jurema, o homem era um Umbandista caridoso que temia a lei maior e amava ao próximo. Antônio jogava Ifá. E os búzios diziam que Aparecida estava com uma energia trevosa que se apoderou dela quando ela fez a macumba com o rapaz da Lagoa Redonda:
- O homem matou bicho? Perguntou Antônio curioso.
- Sim. Ele derrubou um galo e uma galinha e passou o sangue em mim. Disse Aparecida acanhada.
- Então, dona Aparecida essa energia em vez de te ajudar, te atrasou a vida. Vou fazer uma limpeza em você.
- Quanto é, seu Antônio? Perguntou a pobre mulher.
- Nada. Aqui nós trabalhamos com Jesus. Venha na quinta feira fazer a limpeza.
- Precisa trazer alguma coisa?
- Traga um pacote de vela tamanho oito. A mulher saiu animada com a amiga. Antônio por outro lado foi desenhar o trabalho de dona Aparecida. Era segunda feira, dia de Exu e dos pretos velhos. Antônio foi falar com pai Benedito na vidência do copo. “O que eu devo fazer por esta mulher?” Benedito respondeu ao mestre dizendo que seria uma limpeza de práxis. O encosto sairia sem problemas. Antônio separou o pentagrama e um balde de alumínio para queimar a vela do descarrego. A quinta feira chegou. Antônio fez as preces a Ogum e aos pretos velhos. E deu início ao trabalho. Ele passou a vela do descarrego na mulher, pôs álcool no balde e iniciou a queima da vela. Quando Antônio fazia os conjuros uma entidade de nome Aziel se manifesta e diz que veio travar tudo e que aquela mulher pertencia a ela. Uma ventania forte apagou o fogo e as velas e a mulher ficou inconsciente caindo no chão. Antônio e sua assistente levam Aparecida para o quarto de hospedes e tentam reanimá-la, contudo o esforço foi em vão. A mulher estava em sono profundo, parecia um coma. Chamaram a família dela. A irmã e o marido vieram e se hospedaram na casa de Antônio. Seu Gonçalo conversou com o mestre da jurema:
- O que houve mestre? Perguntou aflito o esposo de Aparecida.
- Ainda não sei com certeza. Meu guia garantiu que tudo ia sair bem.
- O mestre vai fazer alguma coisa?
- Sim, vou chamar pai Benedito de novo.
Antônio chamou seu guia no copo e ele prontamente o atendeu. Benedito disse que Aziel entrou no jogo porque cobrava dívidas passadas. Ele viu a mulher decadente e aproveitou a porta aberta para entrar. Era preciso fazer um trabalho de cobrança de vidas passadas. Mas primeiro teria que encontrar Aziel. Aziel é um anjo caído que atua na mente das pessoas levando-as a loucura. Aziel mora no umbral. Lá ele tem seu palácio. Antônio, então viu que a coisa era séria e que ele nunca tinha feito um trabalho dessa envergadura. Antônio ficou verdadeiramente preocupado com dona Aparecida. Seu Gonçalo procura o mestre para saber das coisas. Gonçalo queria levar a mulher para o hospital, mas Antônio disse que ela ia ficar boa:
- Não, seu Gonçalo, não se preocupe, pois o que ela tem é espiritual. E só pode ser resolvido aqui.
- E o que o senhor vai fazer mestre Antônio.
- Vou estudar o caso e logo te digo. Disse o mestre da pemba com muita fé. A noite chegou, a assistente de Antônio o chama dizendo que aparecida acordou e que ela está fora de si. Antônio corre para socorrê-la:
- Que queres com esta mulher espírito trevoso? Disse o mestre com autoridade.
- Eu vou matá-la em sete dias. E não adianta você tentar salvá-la. Argumentou a entidade.
- Você não pode com Cristo demônio! Rebateu o mestre. Ela vai ficar boa em nome de Jesus! Antônio jejuou três dias por Aparecida. No terceiro dia lhe aparece o Orixá Ogum. O grande Orixá lhe ensina o que fazer: Faça um círculo magico de um passo de raio com o norte voltado para o cardeal norte; acenda quatro velas tamanho oito e ponha em cada cardeal; as cores das velas são: O Verde para o norte, o azul para o leste; o amarelo para o oeste e o vermelho para o sul; faça o exorcismo dos quatro elementos e em seguida conjure os sete arcanjos. Precisa defumar com benjoim, alecrim e alfazema antes de entrar no círculo. Pegue sua espada magica e faça quatro cruzes voltado para o seu cardeal. Faça o triangulo das evocações a um passo do círculo voltado para o norte. Dentro dele ponha um boneco e um copo de água; acenda três velas brancas tamanho oito em cada vértice. Por último, invoque as forças de Obaluaiê.
Numa sexta feira Antônio entra no círculo magico. Depois das evocações ele vê uma nuvem branca cobrir o lugar. Glória, sua assistente, permanece em preces e oração enquanto o mestre desaparece na nuvem. Antônio entra no mundo astral em carne e osso. Era na verdade uma empreita muito perigosa, pois, o rapaz podia facilmente ser ferido. No mundo astral, ele entra em um corredor escuro repleto de portas trancadas. Cada porta tinha um nome em latim; o rapaz sabia que teria que escolher uma porta, mas, ele nada sabia da língua romana. Então ele, em seu mental, fala com Ogum: “Meu Pai, qual é a porta certa?” Ogum o leva até a porta Providentia. Ele abre a porta depois de bater três vezes e nela encontra um professor segurando o globo terrestre nas mãos. O velho parecia morto, seu semblante era pálido e os dentes gastos e sujos. O professor perguntou-lhe o que ele fazia no mundo astral. O boneco do triangulo das evocações se levanta e começa a andar sozinho dentro do triângulo. O boneco parecia vivo. Glória intensifica as orações e pede a Deus que tudo saia bem. Antônio conta sua história para o velho. O velho chama seu assistente que era um anão corcunda e pede a ele que o leve até a porta do caminho (viae). Antônio se despede do espírito amigo e segue a estranha figura que atendia pelo nome de Damião. O corcunda para defronte a porta viae e Antônio bate nela três vezes. A porta se abre sozinha. Se apresenta diante do mestre um espaço largo e amplo; parecia uma praça. O lugar não tinha luz. Antônio se preocupa, pois, como ele ia passar sem nada ver. Ogum lhe dá uma lamparina. O corcunda se despede e volta ao corredor. Agora sozinho, o mestre da jurema segue rumo ao umbral. A caminhada pelo lugar sinistro foi demorada. O boneco no triângulo para de andar e põe as mãos sobre os olhos como que não visse nada. Glória acende o defumador e defuma o ambiente e pede aos Orixás que protejam o mestre. Antônio se depara com uma multidão de espíritos vagantes. Todos querem tocar nele. Ogum diz que ele use a espada. O mestre dissipa a multidão usando sua espada mágica. Os espíritos se desintegravam com o toque da espada. Em um certo lugar, Antônio encontra uma moça que procurava pelo filho. A mulher puxava de uma perna. Ela havia se separado do filho e não sabia mais onde ele estava. A mulher pedia insistentemente que Antônio a ajudasse a encontrar seu filho:
- Moço, por favor, me ajude a encontrar meu filho!
- Calma! Como vamos fazer isso?
- O senhor tem a lamparina fica mais fácil achá-lo.
- Que lugar é este? Perguntou o mestre curioso.
- Este é o lugar das almas que desencarnaram e ainda não descansaram. Antônio então viu que a mulher era um espírito sofredor.
- Por que você não busca a luz?
- Que luz amigo. Aqui é somente trevas.
- Não, você pode mentalmente invocar a luz do Cristo e os socorristas vêm até você.
- Como eu faço isto?
- Vamos orar a Deus agora. Os dois rezaram e em seguida um clarão iluminou o lugar. O filho da mulher apareceu ao seu lado e ambos foram tragados pela luz. Depois tudo voltou ao escuro, exceto a luz da lamparina que não se apagava. Antônio continuou sua jornada no breu. Os espíritos o rodeavam em busca de ajuda, mas ele nada podia fazer. Aquele que tentava agarrá-lo ele desintegrava com a espada. O mestre avista uma pequena luz. Estava a cem metros de distância. Ele se aproxima da luz e encontra um homem acocorado encostado num poste. O mestre fala com ele:
- Oi, moço! Como faço para chegar ao umbral?
- O umbral? Você não está distante de lá!
- Como assim, moço?
- O umbral está em qualquer lugar. Basta mentalizá-lo e você está nele.
- E o senhor que faz aí?
- Eu espero a minha vez. Eles vêm de tempo em tempos e resgata alguém. Aí eu espero por eles nesta luz aqui.
- Por que você não ora fica mais fácil? Perguntou o mestre preocupado.
- Eu não creio Nele. Disse o homem com tom decidido.
- Moço, Deus criou tudo e todos. Olha aí, o senhor faleceu e está aqui!
- Eh, mas, Deus mesmo não existe. É só invenção do homem. Em vida fiz muita caridade, mas nunca fiz uma prece e nem vou fazer.
- Bem, de qualquer forma fica com Deus! Antônio saiu e foi alguns passos à frente. Parou um pouco, fechou os olhos e mentalizou um vale de ossos secos, pois esta era a ideia que ele fazia do umbral.
Antônio abre os olhos no vale de ossos secos. Era claro, mas, a luz parecia aquela quando está chovendo. O mestre podia ver as montanhas que rodeavam o vale. Elas estavam muito distantes do vale. Havia ossadas por todo o lugar. Havia, também, buracos cavados no chão e de dentro deles saiam pessoas aflitas reclamando e resmungando da vida. As pessoas eram esqueléticas e vestiam trapos. Os gemidos podiam ser ouvidos de longe. Antônio sabia que estava num lugar perigoso. Ogum diz que ele precisava atravessar o vale e ir até as montanhas. O boneco do triângulo mágico volta a andar e desta feita ele estava assustado. O mestre continua sua jornada cruzando o vale. Algumas horas depois ele chega a um barranco. A parede de pedras era extensa. Antônio para um pouco para ver se havia alguém detrás do barranco. De repente, um grupo de moribundos o cerca. Eles queriam comê-lo:
- Gente! Carne fresca!
- É verdade, Cabeça! Carne fresquinha. Cabeça o que é que devemos fazer para o almoço?
- Ensopado de encarnado. Quem mandou vir aqui em carne e sangue. Primeiro vamos beber o sangue dele, depois a gente come o moço. Os homens avançaram para cima de Antônio. O mestre de espada em punho luta com os homens que caem em terra desintegrados. O boneco do triângulo, também, lutava. Glória percebendo que havia algo errado acende uma vela para Ogum. Uma falange de Ogum aparece e ajuda ao mestre que destemidamente lutava com os espíritos vampiros. Após exterminar os vampiros a falange faz um redemoinho e desaparece. O mestre agradece ao Pai Ogum-Yê pelo socorro na hora certa.
Antônio chega às montanhas. Nelas havia diversas cavernas que abrigavam bruxos e feiticeiros do baixo astral. Aqueles que se corromperam pelo vil metal e cometeram crimes contra seus semelhantes. O mestre procura o palácio de Aziel. Ele pergunta a muitas pessoas, mas, ninguém sabia ou não queria se envolver. Próximo a uma caverna escura Antônio avista a silhueta de um preto velho. Ele se indagou sobre o que um preto velho fazia ali no umbral:
- Meu veio, que fazes aqui? Perguntou o mestre com tom de respeito.
- Estou aqui há séculos. Mas parece que foi um dia desses que vim parar aqui. Eu usei toda a sabedoria ancestral para fazer o mal aos coronéis. Destruí muitas vidas. Tem muita cobrança sobre mim meu filho. Eu sou o que o povo chama de preto velho quiumbandeiro.
- Como eu encontro o palácio de Aziel? Perguntou o mestre da jurema.
- Você segue esta estradinha entre as serras e olhe sempre a esquerda. O palácio é invisível você só o vê se tiver sorte e do seu lado esquerdo. O boneco do triângulo anda do lado esquerdo agora. Glória repara e dá risada, mas, um tanto apreensiva. As velas do círculo e do triângulo foram trocadas por velas de sete dias. A de dentro do triângulo também. Glória persevera na oração pelo mestre. Ela sabia que a empreitada era difícil. Antônio prossegue a marcha sempre pela esquerda; ele entra numa estrada estreita e começa a subir uma grande ladeira; para ele havia alguma coisa no topo da ladeira. No topo da ladeira ele encontra um portão grande. No portão havia dois guardas de vigia. Antônio pergunta sobre o Palácio de Aziel. Os guardas reagem contra o mestre que usa sua espada mágica para derrotá-los. Quando os dois sucumbem aos ferimentos o palácio aparece diante de Antônio.
A porta do palácio estava aberta e dava acesso a um salão grande que ficava logo na entrada. O salão era redondo e cercado de portas de diversas cores. Bem no meio do salão havia um pentagrama goético esculpido na pedra. O pentagrama tinha sua cabeça voltada para o sul. Antônio sabia que isto é invocação de demônios. Antônio, mentalmente, fala com o seu Orixá Ogum. Ogum responde: “Não temas vencedor, veremos a bondade de Zambi”. Uma música foi posta para tocar e mulheres lindas saíram pelas portas do salão e começam a fazer uma coreografia sensual para Antônio. Elas vestiam roupas que mostravam suas partes íntimas. A intenção delas era seduzir o mestre que bravamente resistia a tentação de pelo menos tocar numa delas. O pentagrama inflama e as mulheres lindas entram nele desaparecendo. Uma mão escreve na parede do salão: “quid vis ut tibi faciam?” “Que queres que eu te faça?” Antônio pediu a Ogum para traduzir o escrito e a tradução foi esta. Antônio grita no salão: “Eu quero falar com Aziel!” Uma pedra do piso do salão estremece e se abri dando acesso a outro lugar. Antônio segue avante sua jornada. Glória e o boneco conversam finalmente:
- O mestre corre grande perigo. Ele está no ventre do dragão. Disse o boneco correndo no triângulo.
- Você quer que eu faça alguma coisa para ajudá-lo? Perguntou Glória preocupada.
- Ore a Deus, pois, somente Ele livra o mestre das garras de Aziel.
Enquanto isso Antônio busca falar com o demônio Aziel. Ele desce pela porta de pedra e desce uma escada helicoidal até uma masmorra fria e escura. Ele anda pelas celas e encontra diversos presos nelas. Antônio foi repentinamente acorrentado e posto numa cela escura como os demais. Agora parecia que tudo estava perdido. Ele chama por Ogum, mas, não obtém resposta. Aparecem guardas armados na enxovia, um deles fere o mestre com uma lança na altura do coração. O mestre cai inconsciente.
Aparecida voltou ao estado de coma. Glória e Gonçalo ao lado dela oram a Cristo para que ela melhore. O boneco no triângulo estava caído. Glória fez uma prece a Obaluaiê, pois, achava ela que o mestre estava ferido. O círculo mágico jorra como um minador pipoca. Glória viu que estava certa, o mestre estava ferido. Aflita, ela pede a Xapanã que cure o mestre. Antônio, entre a vida e a morte, vê um raio de luz na prisão. A luz fina vai crescendo e toma a forma de um homem de palha. Ele trazia uma bacia de pipoca nas mãos e joga sobre o mestre que em seguida pega no sono. Antônio, horas depois, se levanta curado. Ele havia perdido sua espada mágica, mas, dentro da cela, enfiado no chão havia um sabre alaranjado. O mestre agradece a Ogum pelo sabre. Com ele, ele quebra as cadeias que o prendem e saia do calabouço subindo uma escada de pedras. Lá em cima, ele se depara com outra sala e nela estava sentado um homem sobre uma cadeira de ossos. O homem com a mão direita movia um pentagrama incandescente suspenso no ar. Antônio então diz que quer falar com Aziel. Mentalmente, o ser repugnante responde: “Eis me aqui”.
- Por que prendes tu Aparecida em tuas cadeias mentais?
- Ela deve a lei maior. Em outras vidas prejudicou a muitos com suas feitiçarias. É o tempo dela pagar. Disse Aziel calmamente. Seu pentagrama irradiava ondas mentais que tentavam controlar os pensamentos do mestre.
- Quem deve punir é Deus. Ninguém te fez juiz do mundo. Aziel se levantou da cadeira e gritou em alta voz: “Eu sou Deus!”
- Não, você não é Deus; nem mesmo um encantado você é. Na verdade, você é um demônio. Aziel aperta a mão direita e de dentro do pentagrama saem setas inflamadas na direção do mestre que as arrebate com o sabre de Ogum.
- Vejo que os encantados estão com você! Disse Aziel com voz de decepção.
- Sim, demônio! E é em nome de Cristo que eu te maniato. Antônio ergue o sabre na direção de Aziel e diz “Ogum yê!” De repente uma falange de Ogum de Ronda entra na sala e prende Aziel. O pentagrama de fogo é desfeito a sala é iluminada e Aziel foi levado para o poço escuro onde ficará por mil anos. Aparecida desperta e pede comida. A mulher estava com uma fome de leão. Antônio volta ao círculo mágico sã e salvo; o boneco dentro do triângulo pega fogo e se desintegra. Antônio, cansado da luta, abraça sua consulente e diz: “Você está em paz?”
Aparecida e Gonçalo se despedem do mestre e vão viver suas vidas. Ela nunca mais deixou de vender na feira da coruja...
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