O sol despontava lentamente, trazendo o lusco-fusco da primeira aurora. Teimoso, Adilson Júnior apeou abismado com as cores da aurora despertada. Onofre desceu da montaria. Graudez não latiu. Abanava o rabo e lambia os pés do dono. Xibungo ladrava, desesperadamente, outros cães respondiam longe. Onofre largou a cravina no chão. Amarrou uma lanterna na copa do chapéu de couro, prendeu na boca um punhal; e em volta da cintura atou uma corda de laçar boi. Júnior manobrou a carabina de dez tiros e fez mira para disparar num vulto entre os galhos de pau-preto. —Não atire! O latido não acusa onça. Vaqueiro Onofre subiu na árvore e no emaranhado da copa deparou-se com uma figura simiesca, semelhante a um macaco albino. O bicho grunhia como os espíritos que rondam a noite na selva. O vaqueiro aproximou-se, jogou lanço certeiro. Prendeu o animal com a grossa corda e puxou devagar. Aos poucos foi dominando a fera, e já no chão, por um descuido do vaqueiro, a selvagem mordeu a panturrilha dele. Os cães avançaram para estraçalhar a ‘caça’. Onofre repreendeu, chamando-os pelo nome. Exausta, a índia ficou estendida a fio comprido no chão. —Esse bicho fede muito, seu Onofre! —O bicho cheira a caça do mato, respondeu. E uniu as mãos em concha, soprou entre os polegares e o borá quebrou o silêncio da mata, percorrendo um quarto de légua. Alguns caçadores responderam com um assobio fino: Fííííu... fííííu... João Velho mostrava ânimo, mas não chegou a tempo de dar os primeiros nós. Pururuca perdeu a arma e a vareta de açoitar cavalo. Os outros vaqueiros traziam seu quinhão de medo, ofuscado na lanterna acesa, pois a madrugada já tomava vestes de noiva, alvorecendo, devagar no canto da passarada. Caburé soltou canto assombroso, apregoando morte. Raposa apareceu no lugar da caça, é mau sinal. — Alguém viu José Lino? Quis saber Onofre. Ninguém deu notícia do vaqueiro José Lino. Pururuca também não sabia. Perdera os mantimentos, a arma e o contato com o companheiro. Os vaqueiros tiveram o cuidado de esperar durante dois quartos de hora, assobiaram, cruzaram focos de lanterna no céu, tudo sem valia. Fizeram o que podiam. E nada de José Lino aparecer ou dar ares de vida. A índia recobrou as forças. Puxada por uma corda seguia a marcha dos cavaleiros. Espiados por um olho de sol minguado entre as árvores, os vaqueiros pegaram o caminho de volta para casa. — O patrão prometeu dar uma bezerra a cada caçador de onça e vai dar. Palavra do coronel não volta atrás. — Mesmo sem onça? — A índia deve ser a onça que comia bezerros na fazenda. — Quem fez a captura foi Onofre. Ele ganha a recompensa sozinho. Os outros não! —Tanto faz ter chegado, na primeira hora, como na derradeira, a graça do santo para quem acompanhou a procissão é a mesma. — Eia! — Que foi agora? — As armas. — Que tem as armas? — Atirar pra cima, dando sinal de chegada. Muitos de casa inda guardavam repouso da noite de ontem. Generoso Batista acabara de tomar café escoteiro e acender um cigarro de palha. — Essa é a onça que comeu o bezerro da Mimosa? — Se comeu, não sei. Mas é uma índia fêmea! — O bicho fala? — Prezei ela dizer: “Apinajé-araruê. Cuiarana-jacutinguelê-sarumbê. Maxacali-arauê.” A índia, provavelmente, é da tribo Maxacali, concluiu o patrão. E agiu rapidamente: — Corina, chegue aqui! Traga uma roupa sua para cobrir este vivente! —Nossa, o cheiro é bom, a mulher, feia! Generoso sabia que era exatamente o contrário: a índia era bonita. — Que fazer com essa coisa, coronel? —Amarre na casinha de curral. Na sombra, presa só pelas mãos, com corda comprida. Dê água e comida. Ela é sua. Quem amansa burro bravo, haverá de domar também esta fera. Se com trinta dias não entregar os beiços, solte e deixe ir embora. Não acredito que ela fez churrasco do bezerro de Mimosa.