Mineiro gosta de queijo com goiabada, costela bovina com mandioca e vai comendo pelas beiradas o arroz com pequi e feijão tropeiro. Padeja mais uma colherada com uma lasca de boi assado na brasa. Roía o pequi. Lambe os dedos e recomeça a peleja para desbastar a montanha da culinária mineira que transborda no prato fumegante. A mulher do vaqueiro sopra a colher cheia. Faz ‘aviãozinho’ e põe na boca do mais velho. Três anos tem o miúdo... Dois menores espiam... Ela oferece o peito ao caçula. E ao outro, uma mamadeira de leite mugido, guardado no úbere da vaca mansa que deixa mamar em suas tetas. Mimosa é mãe-de-leite de toda a pirralhada nascida em Campo Grande, nos últimos três anos. A multidão forma barreira quase intransponível, em torno do padre e do doutor que veio da cidade. De longe, doutor Guimarães acena ao anfitrião. O padre também se retira. A ciência e a fé se abraçaram, e dois jipes pegam a estrada que dá nos montes claros de Minas. — Não sei como te agradecer, Batista. Estou tão feliz! — Se me falas de alegria, por que choras? — Lembranças de nosso pequeno Ludovico. — Ele está entre os anjos que assistem diante de Deus. As lágrimas de Corina se transformaram em sorriso. — Obrigado, meu anjo pela festa. Estou encantada. — Luz de minha vida, agradeça primeiro, a Deus. Depois ao bezerro que morreu para dar vida à onça. Por causa dele, persegui a pintada. E ela mostrou-nos a índia. A índia nos trouxe o padre e toda esta multidão. — Cruz credo! Que idolatria: agradecer ao bezerro! Nem que fosse de ouro, eu cometeria tal adultério contra Deus. — É modo de falar, minha Flor. Mas, a índia atraiu todo esse povo. — Nada disso! Quem atraiu foi Deus. Ele sabe, e pode extrair um bem, até mesmo do mal. — Pois então! Está justificado o holocausto do bezerro e do touro. — Que touro? — O touro imolado para a festa do vaqueiro. — E isso agrada a Deus? — Não achas que Deus se compraz com nossa alegria? — Sim! E também sofre com nossa dor. Corina não cabia dentro de si. Há quanto tempo não ouvia ‘Saudade de Mirabela executada pelo próprio compositor, e assim, no terreiro de casa é algo, no mínimo, inusitado. — Manda mais um coco aí, Zé! E Zé debulhou um cacho de coco atrás do outro. — O dia é quase amanhecido. — Deixa a tanga rolar... — Não estamos na praia, Cravo-vermelho! — Queres dizer, meu escravo, não? —Escravo livre. Somos livres escravos do amor. O sol já se levanta! Disse Corina. — Todo dia o sol se levanta. Depois dorme, minha Rosa! — Sim, mas o Cravo não vai brigar com a Rosa, vai? — Nunca! — Batista! — Diga, meu doce! — Ouço barulho na cozinha. — São os gatos comendo as sobras da festa. — Guardei tudo. — Não guardaste tudo... Corina sorriu. — Vai dormir, Batista!... O dia avança. Outra vez, a tarde chega devagar e o sol brinca de esconde-esconde com a lua. A pintainhada se abriga nas as asas da mãe. A natureza dorme. Tudo silencia. E novo dia se levanta.
*** Adalberto Lima, trecho de "Estrela que o vento soprou."
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