Não por sua própria culpa, um homem, pai de quatro filhos menores, se vê na miséria. Desde jovem educado no temor de Deus, desconhecendo assim qualquer outro caminho, entra numa igreja e, acreditando impossível deixar de ser ouvido, ajoelhado implora por socorro. Quando, terminada a oração, torna a se levantar, sacudindo a poeira das calças e voltando-se para a saída, sobre o tapete atrás de si percebe uma grande quantia em dinheiro. De pronto, sem refletir, dele se apropria e faz uso, providenciando comida e roupas para si próprio e para as crianças.
Há quem defenda a opinião de que o homem seria culpado do crime de ocultamento de objeto alheio encontrado. Para solucionar a questão, vale observar que a quantia encontrada superou os limites do crime. Além disso, não negligenciar o fato de o delito ter sido cometido em lugar sagrado. Por outro lado, até então, esse homem sempre havia sido uma pessoa irrepreensível.
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Peter Handke: in: "Begrübung des Aufsichtsrats. Prosa Texte" [Saudações ao Conselho Fiscal. Textos em prosa]. Residenz Verlag, Salzburg 1967, p. 100.
Tradução: zé pedro antunes |