A embarcação afunda. O náufrago nada a braçadas por quase uma hora e agarra-se ao costado do navio. Escorrega. Gruda de novo... Seus músculos fatigados o levam quase à exaustão. Ele insiste. Distribui o esforço físico entre os braços e as pernas emaranhadas nas cordas da escada. Toca o casco do navio e descansa a meio corpo fora d’água. Relaxa. Recobra parcialmente as forças e sente alguma coisa roçar-lhe a pele. Talvez uma serpente marinha. Não fez nenhum esforço para evitar que que ela se enroscasse em sua perna; no pressuposto de que, se fosse mordido, o veneno poderia transportá-lo para o outro lado da vida, e poupar-lhe as aflições do afogamento. Agarrou com firmeza a escada e lentamente, escalou os degraus de corda. Atingiu o convés e se arrastou deixando rastros de medo. Outra vez suas forças se esgotaram, e ele se estirou a fio cumprido no lastro e dormiu.
Não sabe por quanto tempo dormiu, e antes de amanhecer o dia, subiu no mastro, abriu os braços e se lançou como uma gaivota na corrente de ar. Voou além do horizonte. Daquele ponto, teve visão noturna do universo, todo o cosmo estava debaixo de seus pés.
O farol piscava, mas não havia farol. Guiado pela luz de uma estrela, pousou numa campina, e se deitou na relva fresca que margeia a lagoa azul.
Sentiu que não estava só.
Lá, não muito longe da praia, espectros fantasmagóricos quebravam ondas esbranquiçadas. Vultos cambaios flanavam sobre as águas borbulhantes — almas benfazejas ou do mal — nunca se sabe! Alma penada. Talvez depenada. Implume de qualquer pena ou pecado, outras acinzentadas como que fumaça esvoaçante escondendo o negrume de sua má inclinação.
Teve medo.
E num piscar de olhos, viu um homem de branco puxar a cortina que separava a luz das trevas. O cenário era de uma brancura incandescente, nunca vista pelo olho humano. No albor infinito, translúcida imagem de uma mulher se balançava numa cadeira suspensa do chão. Tinha ela o semblante calmo e aspecto jovial. Corina não envelheceu.
O sol parecia se por, e não se punha. O céu vermelho-azulado assemelhava-se ao crepúsculo da última hora e à aurora do último dia. Pássaros voavam sobre a cabeça do náufrago. Algumas espécies conhecidas. Outras, nunca vistas na Terra. Robert passou a mão em seu corpo machucado. Não sangrava, não doía... Cenas do juízo particular desfilaram em sua mente: “Viu sete anjos e sete candelabros em volta de suntuoso trono. No meio dos candelabros, alguém semelhante ao Filho do homem, dizia: ‘Vai e toma o pequeno livro aberto da mão do anjo que está sobre o mar e profetiza de novo a numerosas nações, povos, línguas e reis.' Sua missão ainda não terminou. Volte!”
*** Adalberto Lima, fragmentos de Estrela que o vento soprou.
Imagem: Internet