 
Temia encontrar com os homens do cortejo fúnebre de Zé Pilão. Durante a noite caminhava na estrada e de dia, se escondia na mata. Na primeira jornada, viajou sem nada dormir, mas o cansaço abateu-lhe as forças e o fez procurar uma clareira na mata para descansar. Quando o dia amanhecesse, acharia fruta silvestre para comer. Seguiu.
Encontrou um toco de árvore queimada, e ao redor, não tinha folhas. Limpo, como se alguém houvesse passado por ali há poucos dias. Imaginou tratar-se de caçador, que, como ele, teria encontrado uma cama a céu aberto para esticar o corpo cansado. Deitou-se. A lua surgiu preguiçosamente, e lançou frágeis raios de prata sobre aquele corpo estendido no chão. Veio um animal e postou-se à sua frente. Percebeu que era uma onça parda. Talvez a dona da cama. Segurou o facão e pediu a Deus que não o deixasse ser devorado por aquela fera. Não retrocederia. Não faria o caminho de volta a Tremedal. Queria distância do povo de Zepillon. O bicho esturrou. Pururuca sujou as calças. “Morre como homem, Pururuca. Levanta e enfrenta a fera!” Não precisou enfrentar, bastou que se levantasse, a onça pulou nele. Tirou o corpo de lado e a onça chocou-se violentamente contra o toco. Lembra-se de ter batido com o facão, ora acertando o toco, ora acertando alguma coisa peluda. Lutou até desmaiar e julgando-se vencido, não teve forças para entregar sua alma a Deus, simplesmente, caiu exausto.
Não sabia se morrera ou estava vivo, esperava uma luz, algo que revelasse o estágio em que se encontrava. Sentiu dor na perna e tomou acordo de si. Tinha sido picado por um escorpião. Imediatamente, temeu a onça, mas ela não estava ali, nem viva, nem morta. Levantou-se, caminhou tremelicando e encontrou um umbuzeiro carregado de frutos, colheu uns três ou quatro e começou escavar o tronco da árvore com o facão. Sabia que a raiz do umbuzeiro armazena boa quantidade de água. Saciou a sede e depois alimentou-se fartamente de umbu. Recobrou as forças, esperou o sol se pôr e retomou o caminho, menos preocupado, Tremedal estava muitas léguas atrás. Novamente, sentiu sede. Estava dois dias viajado. Subiu numa árvore. Enxergou uma fumaça longe. Andou mais uma hora e deparou-se com um casebre de onde saiu uma velha andrajosa.
— Bom-dia – falou com a voz arrastada.
— Quem é o senhor?
—Pururuca. Tenho sede.
— Parece que vem de longe.
—Fui contratado para trabalhar numa carvoeira e fugi depois de três meses sem nada receber. Faz dois dias que não como. Quero alcançar Salinas, depois chegar a Montes Claros.
— Você já está no município de Salinas... Vou preparar uma comida. Só tenho arroz e ovo.
— Bom demais! Mas por favor, primeiro água. Posso assentar nesse banco?
— Se quiser, pode até dormir, enquanto faço o almoço.
Dormiu.
A salmoura fez efeito. A pele secara. Era um cascão só. Não podia encostar na camisa. Virou-se. A pele esticou e quase se rompeu. Marejou sangue em boa parte das costas. Sabia que estava vivo, porque sentia dor.
A onça apareceu.
Abaixou os quartos, ergueu a dianteira e armou o pulo...
— Ei, acorde! Venha comer.
— Pururuca caiu do banco em que dormia.
— Desculpe! Assustei o senhor.
— Nada não! Estava sonhando. Melhor acordar assustado do que morrer. A onça...Cadê a onça?...
— Foi só um sonho. A comida está na mesa.
A mesa era simples e rústica como a dona.
***
Adalberto Lima - trecho de Estrada sem fim...
Imagens: Internet
|