
As cenas que Ravenala via em Vila Mimosa, lembravam a descrição que o Padre Davi fazia do inferno. Ela mesma se sentia no inferno e já não tinha certeza se o que via era real, ou imagens formadas em sua mente por um surto de medo. Viu um homem com vestes sacerdotais atravessar a rua com uma Bíblia na mão. ‘Que faz um homem de Deus neste antro de prostituição?’ Foi só o que lhe veio à mente.
O homem paramentado postou-se na frente do veículo, estendeu a mão: Pare!
Leonardo desceu da brasília e fugiu a pé. Correndo...
O tempo parou.
Não sabe por quanto tempo ficou em estado de choque, e quando deu acordo de si, outra pessoa ocupava o lugar que fora de Leonardo. Olhou o novo motorista e viu uma coroa de espinhos sobre a cabeça dele. Ele sorriu docemente: ‘Filha, vou te levar para a casa.’
Ramayana desistiu do triângulo amoroso que arquitetara, sem a anuência de uma das partes, e soltou sua voz anserina de ex-presidiária: ‘Pô, meu! Tipo assim... vamos deixar essa mariposa em casa.’
O Pastor que agora dirigia a brasília, parou no Aterro do Flamengo. ‘Acorda, Talita Ravenala! O pesadelo acabou.’ Ela não sabia se teve uma visão ou um sonho. Estava em casa, deitada na cama com traje domingueiro. E ao olhar-se no espelho, viu na testa uma cruz traçada com cinzas. Não era quarta-feira. A cinza em qualquer estação é sinal de fragilidade da vida humana, em constante confronto com a morte.
A luz de emergência de uma viatura avança o sinal vermelho, disseminado pânico e medo com o som ensurdecedor da sirene. A rua Ceará se agita, um velho grita: ‘Mataram uma mulher na Vila Mimosa.’ Afastando-se da cena do crime, Conchita e Leonardo caminham ocultando seus vultos cambaios. A noite era escura como o negrume de suas almas. A mulher cobria suas carnes com um vestido amarelo-palha em frangalhos, na boca um cigarro apagado, à cintura uma bolsa com peças íntimas e três pedras de craque. A Ronda da Noite passa veloz. Ramayana foi assassinada.
Era Natal de 2007.
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Adalberto Lima - Estrada sem fim...
Imagem: Internet
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