Podia ser lá pelos idos de 78, não mais que isso. Tinha meus 12 anos de idade. Morava num bairro mediano, poucas posses, estudava em escola pública, e dava-me ao luxo de ter uma explicadora, coisa que mamãe não abria mão, pelo pouco tempo que tinha de acompanhar meu rendimento escolar. Por conta dessas aulas, pulei a primeira série do ensino fundamental, pois pouco aproveitava da aula e ainda atrapalhava o aprendizado dos outros coleguinhas.
Nesses tempo, lá em casa se ouvia muito uma música chamada "Seu Waldir", que dizia o seguinte:
Seu Waldir, o senhor
Magoou meu coração
Fazer isso comigo, Seu Waldir
Isso não se faz, não
Eu trago dentro do peito
Um coração apaixonado
Batendo pelo senhor
O senhor tem que dar um jeito
Se não eu vou cometer um suicídio
Nos dentes de um ofídio vou morrer
Estou falando isso
Pois sei que o senhor
Está gamadão em mim
Eu quero ser o seu brinquedo favorito
Seu apito, sua camisa de cetim
Mas o senhor precisa ser mais decidido
E demonstrar que corresponde ao meu amor
Pode crer
Se não eu vou chorar muito, Seu Waldir
Pensando que vou lhe perder
Seu Waldir, meu amor...
Neste caso, o meu Waldir era o marido da explicadora, senhor sério, de pouco riso, trabalhador, pacato,e eu, sem a menor preocupação com a letra da música e o que de fato queria dizer, cantarolava isso, na aula, e na frente de sua esposa, que tomava tudo em bom tom, pois entendia que não havia maldade, e não havia.
Muitos anos passaram e fui me tornando mocinha e chegando a juventude e não tinha vez, que visse seu Waldir e não repetisse o primeiro trecho da música.
Belo dia, já em idade de procurar emprego, cheguei em casa e contaram que seu Waldir deu um espirro, estourou uma veia na cabeça e morreu.
Nunca mais teria seu Waldir pra me ouvir cantar.
Tempos depois, quando encontrava com sua esposa e filhos, ainda tinham a lembrança da música que cantava, pendurada no muro da vila, todas as vezes que seu Waldir passava com o pão pra o café da manhã.
Ficou a lembrança e a saudade do seu Waldir, e ainda hoje quando lembro, posso ver o sorriso que abria, quando via aquela moleca pendurada no muro de casa, cantando essa canção engraçada.
De fato, criança não tem mesmo maldade,
do Seu Waldir ficou pra mim,
a lembrança e a saudade.