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Contos-->DOMÉSTICA -- 17/11/2009 - 16:40 (Divina de Jesus Scarpim) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Abro a torneira. Lavo copo. Lavo copo. Lavo copo. Copo que Valquíria gostava. Copo bonito. Eram doze. Uma dúzia inteirinha. Ali, enfileirados. Um ao lado do outro no armário. Ninguém usava. Valquíria sim. Valquíria rebelde. Valquíria... Pensar em outra coisa. Pensar em Ana. Saudades de Ana. Saudades de Júlio. Saudades de João... Saudades de Valquíria. Ia pensar em Ana... Ana gostava de estudar. Ana sorria pouco, brigava pouco, falava pouco. Até hoje é assim. Até comer comia pouco. Só estudar era muito. Pelo menos conseguiu. Terminou o colégio. Casou. Agora tem boa casa, tem bom marido, tem os meninos. Sorri pouco. Fala pouco. Come pouco. Não estuda mais. Quando João foi embora todo mundo queria me levar. Vem morar comigo mãe. Vamos lá pra casa mãe. Vende essa casa e vem comigo Rosa. Todo mundo queria que eu fosse embora. Eu queria que João voltasse. Esperei tanto. Chorei tanto. Se fosse com alguém seria com Ana. No porão. Ficaria morando no porão. Colocava um portão no alto da escada. Não queria os meninos toda hora, vindo correndo, tomando conta da casa. Queria meu canto. Mas eu tenho meu canto. Sair por quê? Sair para onde? Em que lugar eu me sentiria melhor do que aqui? Não me sinto melhor aqui. Mas e se o João voltar? Esse prato tá tão sujo. Queijo derretido, difícil sair. Vou pegar Bombril. Todo mundo diz que foi bom João ir embora. Por que todo mundo tem mania de querer saber o que é bom pra gente? Que raiva! Será que ninguém sabe que eu fico sozinha? Não, ninguém liga... Acho que eu poderia morrer... Vontade de comer uma macarronada com frango. Engorda. E daí? Quem se importa se eu estou gorda ou magra? O molho tem que ser bem vermelho. É, eu poderia morrer, ninguém se importaria. Será que tem queijo ralado? Claro que todos chorariam, até o João. Deve ter sim, eu me lembro que comprei naquela despezinha. Seria divertido ver o João chorando no meu velório. Droga! Preciso pensar uma coisa de cada vez. Que mistureira.

Odeio lavar louça. Odeio ficar sozinha. Odeio ficar sem o João. Dizem que a mulher que está com ele é feia e gorda. Acho que estão mentindo pra me fazer sentir melhor. Eu não me sinto melhor. E se eu sonhar? Faça de conta que batem na porta. Vou abrir. É o João. Eu abro sem dizer palavra. Ele entra. Senta na mesa e fica calado. Cabeça baixa. Não precisa explicação. Então eu vou pro fogão. Esquento aquela sopa de mandioca com carne. Ele gosta. Coloco o prato na mesa e me sento do outro lado. Fico olhando. Ele come. Depois vai pra sala. Liga a televisão. Senta no sofá. Eu me sento do lado dele. A gente vê um filme. Quando acaba o filme vamos pra cama. Faz tanto tempo... Dizem que faz mal. Mulher não pode ficar muito tempo sem homem. Se resseca toda por dentro. Será verdade? Se o João não voltar eu vou ficar assim. Que vergonha. Imagina. Você está doente Rosa? É, estou sim. O que você tem? Falta de homem. Que absurdo! Eu morreria de vergonha. Onde já se viu tal coisa? Acho que isso é invenção dos homens pra ter as mulheres que quiser. Sei lá.

Como a vida passa depressa. Já estou velha...Como é ruim ser velha. Não chamar a atenção de nenhum homem. Não que se queira ter casos e namoros. Mas alimentar o ego. Onde anda meu ego? Onde meu orgulho? Onde o sentido da minha vida? Eu nasci, cresci, amei, tive filhos e agora não tenho nada a não ser esse monte de louça para lavar. Será essa a razão da minha vida? Valquíria tão rebelde. Se estivesse viva como seria? Como estaria? Será que me faria sofrer? Droga! Todos me fazem sofrer. E eu aqui, quieta, inútil, esperando pelo meu sonho. Por que não sonhei mais cedo, quando era tempo de chegarem os sonhos? E se eu saísse por aí, andando sem rumo. Jogando meus cacos pelo caminho. Vivendo de homens e luzes. Bebendo com gelo o pouco que resta da vida. Seria melhor? Será que haveria em algum quarto, em alguma mesa, em alguma calçada o cheiro de João? Não, esse cheiro está na casa dela. Dessa mulher estranha e ignorada que roubou meu futuro. Droga! Derramei o óleo que guardei ontem no copo. Havia me esquecido. E as coisas tão caras. O dinheiro tão curto e meu devaneio fazendo desperdícios. Agora só falta essa panela e a louça estará toda lavada. Não vou secá-la. Secar por quê? Que pressa tenho eu? Valquíria sempre detestou serviços domésticos, tão senhora de si. Eu a perdi com tanta repreensão. Não fui sua amiga. Não sabia compreender seus desvios. Suas idéias, suas buscas. Agora saberia mas é tarde demais. Valquíria está debaixo da terra. E nasceu tão gordinha. Tão linda. A mais bonita de todas. Não, eu não sou responsável. Como se pode ser culpada de não saber o que só o tempo ensina? E o tempo ensina tarde. Sempre tarde. Quando não se tem mais tempo de aplicar o que se aprendeu. Todos somos burros. Acabei.
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