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Contos-->OS DOIS IRMÃOS -- 06/05/2009 - 18:42 (Gabriel de Sousa) Siga o Autor Destaque este autor Envie Outros Textos
Miguel e Susana eram dois catraios felizes. Menos de dois anos os separavam. Filhos dos mesmos pais, vivendo no mesmo ambiente, frequentando a mesma escola, não podiam no entanto ser mais diferentes um do outro. Ele era extrovertido, sempre pronto para uma brincadeira, a cantarolar ou a assobiar, fazendo partidas aos amigos, sempre numa roda-viva e bom nos estudos embora à custa de muito trabalho. Susana era o seu contrário: sempre ensimesmada, preferindo a solidão, inventando brinquedos e bonecas, arvorando quase sempre um ar pensativo e observador, também boa aluna mas quase que não estudava. Bastava-lhe frequentar as aulas e estar com atenção. Os trabalhos de casa, cada um fazia-os à sua maneira. Susana fechava-se no seu quartito e só saía de lá para jantar, depois de tudo feito. Miguel fazia os trabalhos na sala de jantar, de modo descontraído, muitas das vezes olhando simultaneamente para a televisão.

Eram muito amigos um do outro, apesar dos feitios totalmente antagónicos. De família humilde, ficaram-se pelo 9º ano. Ela porque começara a dedicar-se àquilo de que verdadeiramente gostava: fazer peças de artesanato, a exemplo do pai que trabalhava como oleiro, mas acrescentando trabalhos imaginados por si e feitos em renda ou em feltro. Miguel, pelo seu lado, tinha pressa em se empregar. Queria ser vendedor. De quê, ainda não sabia. Talvez numa imobiliária. Ou angariador de seguros. Talvez vendedor de automóveis ou de alfaias agrícolas. O importante para ele seria o contacto com pessoas. Fazer negócios no meio de uma conversa, apimentada com o contar de uma anedota e entre dois apertos de mão.
Volta e meia havia quem perguntasse aos pais pela Susana, pois quase ninguém a via. Já o Miguel era visto em toda a região e arredores. Frequentava quase todos os cafés e restaurantes da terra, era sócio do clube de futebol e, claro, era adulado pelas raparigas.

O tempo passa veloz. Miguel, depois de namoriscar duas ou três moças, casou-se com Mafalda, a jovem secretária da empresa de material agrícola para a qual trabalhava. Susana não se interessava por namoros. Acabou por casar-se também, apesar de tudo, mas porque Tiago, filho dum amigo da família, não se cansava de a “perseguir”, de lhe enviar mensagens e de lhe telefonar. Tiveram filhos: Susana uma rapariga e Miguel um casal de gémeos.
Ele brincava com os filhos como se fossem da mesma idade. Ela não queria que a filha a tratasse por tu e logo que achou oportuno começou a ensinar-lhe as lides de casa e a sua arte.
Continuavam a ser completamente diferentes. Ela, em casa ou sentada a trabalhar na lojita que abrira, queixando-se sempre de várias doenças e dores. Ora na cabeça, ora nas costas, na barriga ou nas pernas. Eram as insónias. Enfrascava-se em comprimidos. Miguel continuava com uma vida muito activa e até se inscrevera nas aulas de natação, que tinham lugar na piscina recentemente inaugurada. Divertia-se com a mulher e com os filhos e, todas as noites, dormia o sono dos justos.

Foram avós muito cedo. Susana tomava conta da Rita, enquanto os pais iam trabalhar. Dos dois gémeos de Miguel, só Teresa se casou e teve apenas um rapaz. Miguel brincava com o Rodrigo, como outrora fizera com os filhos. A agilidade já não seria a mesma, mas ele ia disfarçando as dores e os cansaços, tentando nunca dar parte de fraco. Pensava às vezes na idade que tinha, mas recusava sentir-se velho. Costumava até dizer por graça que «idade era coisa de calendário e velhice era coisa de espírito» e ele, neste aspecto, sentia-se ainda um jovem. Adaptava-se facilmente e com interesse às novas tecnologias e aos brinquedos do neto, tão diferentes dos da sua época. Lia muito, fazia inúmeros passatempos e, pasme-se, até começou a fazer quadras, que declamava, fazendo caretas e fingindo que estava a representar. Inventou mesmo um espectáculo de marionetas para divertir o Rodriguinho.
Susana, que entretanto enviuvara, tornou-se resmungona e descuidada, começando a denotar os primeiros sintomas da doença de Alzheimer. Agora já não era hipocondria o que tinha, era o cérebro que começava a falhar. Esquecia-se de tudo e perdia a pouco e pouco o sentido de orientação.

Miguel começou a visitar mais vezes a irmã. Enchia-a de mimos e tentava ajudá-la o mais possível. Em tudo. Nas compras, nos cuidados higiénicos, na toma de medicamentos e nas refeições, na lida da casa e até na venda de alguns objectos que ainda sobravam na loja.
Um dia, porém, tiveram de pôr Susana num Lar, pois já não a conseguiam tratar em casa. Tornara-se muito pesada e quase inerte. Não conseguia quase comer e não reconhecia os objectos mais elementares.
A família visitava-a amiúde, mas ela por vezes não reconhecia as pessoas ou trocava-lhes os nomes e enfurecia-se.

Encaminharam-se vagarosamente para a saída do cemitério, Miguel de mão dada com o neto:
- O avô tem praticamente a idade que ela tinha e, no entanto, parece mais jovem. Faz-me bastante companhia e gosto de estar consigo. Ensina-me tanta coisa!
- Sempre tivemos modos de viver completamente distintos, eu e ela, apesar de sermos irmãos. Os anos passavam igualmente para os dois, mas eu - a partir de certa altura - passei a ignorá-los. Distraí-me o mais que pude e mantive-me sempre ocupado. Mesmo agora, que me aproximo do Outono da vida.
- Não diga isso avô!
- Eu tenho espelho Rodrigo. E apesar de tudo, tenho de ser realista. Vejo bem as rugas a vincarem-se, os cabelos a embranquecerem, as pernas a ficarem trôpegas e tanta, tanta coisa. Mas finjo não ver. Sempre tentei manter o espírito jovem e isso é o que importa. Não se pode travar a velhice, mas pode-se tentar adiá-la. É o que eu tenho vindo a fazer.
- Gosto muito de ti avô! “És bué fixe”. Falas tão bem. Quando tiver mais idade, quero ser como tu!
Miguel apertou com carinho a mão do Rodrigo e sentiu-se rejuvenescer mais uns anitos.
- Queres ir lanchar?
- Como adivinhaste que eu estava com fome, avô? Vamos! A avó lancha em casa, não é? Assim poderemos falar mais um pouco “de homem para homem”…
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